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Nanotecnologia

Anéis de Alice invertem qualquer coisa que passe através deles

Redação do Site Inovação Tecnológica - 30/08/2023

Alice no País das Maravilhas Quânticas
Ilustração de um Anel de Alice, que os pesquisadores acabam de observar pela primeira vez experimentalmente.
[Imagem: Heikka Valja/Aalto University]

Alice no País das Maravilhas Quânticas

Imagine olhar por uma lente de aumento e, em vez de simplesmente ver as coisas maiores, você vê-las ao contrário; não por um truque de óptica, mas o inverso das coisas mesmo.

Agora imagine ainda mais: Que essa sua lente de aumento não seja exatamente uma lente, mas um anel, e que qualquer coisa que atravesse esse anel, instantaneamente converta-se em seu oposto - uma carga positiva em negativa, ou a matéria em antimatéria, por exemplo.

Este é o conceito que os físicos chamam de "Anel de Alice", em homenagem à Alice do País das Maravilhas, de Lewis Carroll, que encontra um mundo totalmente novo ao passar pelo buraco da toca do coelho.

Há pouco mais de uma década, a equipe dos professores Mikko Möttönen e David Hall, da Universidade de Aalto, na Finlândia, teorizaram a existência desses Anéis de Alice ao observarem o decaimento dos monopolos magnéticos, que podem ser entendidos como as partículas magnéticas fundamentais - um monopolo corresponde a um dos pólos de um ímã, só que existindo separadamente, sem seu oposto.

Agora, em colaboração com experimentalistas da Universidade de Amherst, nos EUA, finalmente observaram um Anel de Alice operando conforme a teoria: Quando passa através desse anel, um monopolo magnético converte-se imediatamente em um antimonopolo, como o sul de um ímã virando o norte, ou vice-versa.

"Há uma peculiaridade neste Anel de Alice. Dependendo se você olha para algum monopolo próximo através do anel, ou pela lateral do anel, sua carga parece diferente. Então, o anel está invertendo a carga dos objetos que você observa através dele," disse Möttönen. "Simulações de computador mostraram ainda que a carga de um monopolo muda completamente - de positiva para negativa, digamos - ao se mover através do Anel de Alice."

Físicos criam bizarros Anéis de Alice
Ilustração esquemática de um defeito monopolo topológico e seu produto de decaimento, um Anel de Alice, em um condensado de Bose-Einstein de fase polar.
[Imagem: Alina Blinova et al. - 10.1038/s41467-023-40710-2]

Dos monopolos aos vórtices

O conceito de Anel de Alice pode ser mapeado até 1931, quando Paul Dirac teorizou a existência dos monopolos magnéticos e previu que, quando um monopolo magnético cruza com uma "nuvem eletrônica" - a distribuição no espaço de um único elétron - cria-se um vórtice nessa nuvem, uma espécie de redemoinho que "perfura", mas não atravessa a nuvem.

Enquanto isso, o desenvolvimento da mecânica quântica levou Albert S. Schwarz à descoberta, em 1982, de um defeito topológico que surge em certos sistemas quânticos, que foi batizado de Corda de Alice. É um objeto unidimensional que pode ser pensado como uma linha de fluxo magnético. Partículas carregadas invertem o sinal da carga elétrica depois de circundar uma vez a Corda de Alice e, consequentemente, a carga não é definida globalmente. A teoria que admite uma corda de Alice é hoje conhecida como "eletrodinâmica de Alice".

A equipe de Möttönen e Hall, por sua vez, intitulada Colaboração Monopolo, provou a existência de um análogo quântico do monopolo magnético em 2014, isolou um monopolo quântico em 2015, observou um decaindo no outro em 2017 e, finalmente, demonstrou a existência dos nós quânticos, estruturas 3D engenheiradas em sólitons, ou ondas solitárias.

Foi aí que surgiu a oportunidade para projetar a existência de uma versão 3D da Corda de Alice, ou uma Corda de Alice enrolada sobre si mesma, agora batizada de Anel de Alice.

"Embora as topologias dos vórtices e dos monopolos sejam distintas umas das outras, sob certas circunstâncias um monopolo pode deformar-se espontânea e continuamente em um anel de vórtice, com a curiosa propriedade de que os monopolos que passam por ele são convertidos em antimonopolos," descreve a equipe.

Físicos criam bizarros Anéis de Alice
Monopólo topológico e Anel de Alice em um condensado de Bose-Einstein.
[Imagem: Alina Blinova et al. - 10.1038/s41467-023-40710-2]

Como criar um Anel de Alice

Embora o conceito pareça simples, criar um monopolo magnético foi um desafio que levou quase um século para ser vencido. Para montar sua versão, a Colaboração Monopolo manipulou um gás de átomos de rubídio, preparado em um estado não magnético, próximo à temperatura do zero absoluto.

Sob estas condições extremas, todos os átomos se comportam como um grande objeto quântico único. Devido a uma propriedade quântica chamada spin, esse átomo artificial - assim como os átomos naturais - torna-se sensível a campos magnéticos. Assim, um monopolo foi criado direcionando um ponto zero de um campo magnético tridimensional para o gás quântico.

Esses monopolos quânticos são efêmeros por natureza, decaindo alguns milissegundos após sua criação. É nesta instabilidade que o Anel de Alice toma forma. "Pense no monopolo como um ovo oscilando no topo de uma colina," disse Mottonen. "A menor perturbação pode fazê-lo espatifar-se colina abaixo. Da mesma forma, os monopolos estão sujeitos a ruídos que desencadeiam o seu decaimento em Anéis de Alice."

Embora os monopolos tenham vida curta, os pesquisadores simularam Anéis de Alice estáveis por até 84 milissegundos - mais de 20 vezes mais do que a vida útil do monopolo. Isso os deixou otimistas de que experimentos futuros revelarão propriedades ainda mais peculiares dos Anéis de Alice.

"À distância, o Anel de Alice parece um monopolo, mas o mundo assume uma forma diferente quando olhamos através do centro do anel," disse Hall. "É nesta perspectiva que tudo parece espelhado, como se o anel fosse uma porta de entrada para um mundo de antimatéria em vez de matéria," acrescentou Mottonen.

Bibliografia:

Artigo: Observation of an Alice ring in a Bose-Einstein condensate
Autores: Alina Blinova, Roberto Zamora-Zamora, Tuomas Ollikainen, Markus Kivioja, Mikko Möttönen, David S. Hall
Revista: Nature Communications
Vol.: 14, Article number: 5100
DOI: 10.1038/s41467-023-40710-2
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