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Informática

Brasileiro conta como ajudou a criar componente para o futuro computador neuromórfico

Com informações da Agência Fapesp - 29/06/2017

Brasileiro conta como ajudou a criar componente para o futuro computador neuromórfico
A sinapse artificial ainda é grande, mas poderá ser miniaturizada usando as técnicas de litografia padrão da indústria.
[Imagem: L.A. Cicero]

Brasil no meio

Há poucos dias, uma equipe da Universidade de Stanford, nos EUA, anunciou a criação de uma sinapse artificial orgânica que pode viabilizar processadores neuromórficos, processadores que trabalham de forma mais parecida com o cérebro humano.

A criação desse componente, chamado enode (Electrochemical Neuromorphic Organic Device, ou dispositivo eletroquímico orgânico neuromórfico), contou com a participação do brasileiro Gregório Couto Faria, do Instituto de Física da USP em São Carlos (IFSC-USP).

Retornando ao Brasil, Gregório explicou mais detalhadamente as características do novo componente: "Apesar de muito simples, o enode apresenta uma propriedade típica das estruturas neurais, que é a memória multinivelada [com múltiplos níveis]. Cada unidade do nosso cérebro manifesta cerca de 100 estados de potenciação, que correspondem a diferentes níveis de memória. Em nosso experimento, variando a voltagem, conseguimos mudar a condutividade do material ativo, e, assim, acessar também padrões diferenciados de memória."

Ele contou que o componente é constituído essencialmente por um polímero conjugado, que é capaz de conduzir não apenas elétrons, mas também íons. Isso lhe possibilita atuar como tradutor - tecnicamente, como um transdutor - de corrente elétrica para corrente iônica, o que lhe permite mimetizar os sistemas biológicos, como o cérebro humano. "Esses sistemas comunicam-se predominantemente por meio de fluxos iônicos. Quando um neurônio interage com outro, o que ele faz é abrir canais para a passagem de íons e, assim, polarizar o ambiente ao redor. Ao reproduzir essa função, nosso polímero estabelece uma interface entre sistemas artificiais e sistemas vivos," informou Gregório.

O desenvolvimento da eletrônica de polímeros conjugados rendeu o Prêmio Nobel de Química de 2000 a Alan Heeger (Estados Unidos), Alan MacDiarmid (Nova Zelândia) e Hideki Shirakawa (Japão). Na família dos polímeros conjugados, há uma classe específica de condutores orgânicos mistos. Uma das vantagens desses materiais em relação aos seus análogos inorgânicos é que eles têm uma morfologia muito porosa, semelhante à da esponja. Quando imersos em um meio líquido com a presença de íons, absorvem a solução em seus interstícios. E sua rede de canais intersticiais transforma-se no sistema viário pelo qual os íons podem trafegar.

Brasileiro conta como ajudou a criar componente para o futuro computador neuromórfico
O componente eletroiônico foi usado para simular o conhecido experimento do cães de Pavlov.
[Imagem: Yoeri van de Burgt et al. - 10.1038/nmat4856]

Computação neuromórfica

Uma aplicação imediata seria utilizar o enode em sensores para detectar a presença de determinadas substâncias ou em próteses para estimular tecidos vivos, como as células cardíacas, por exemplo. Outra aplicação, muito mais ambiciosa, é valer-se da propriedade do material para projetar e produzir circuitos eletrônicos capazes de imitar estruturas biológicas, como os neurônios.

Durante o trânsito iônico, ocorrem reações de oxidação ou redução do polímero pelos íons. Trata-se do fenômeno que, na ciência dos materiais, recebe o nome de "dopagem". O ganho (na oxidação) ou a perda (na redução) de elétrons afeta a condutividade elétrica do material. E a condutividade pode ser modulada pela variação da tensão aplicada. "É isso que possibilita ao dispositivo apresentar diferentes níveis de memória, configurando assim uma das primeiras condições para a elaboração de uma estrutura neuromórfica", explicou o pesquisador.

Unidades neuromórficas integradas em redes neurais constituem a opção mais ousada para superar o atual impasse da computação, que não consegue mais manter o ritmo de ganho na velocidade de processamento que se observou até agora.

"Uma das propostas para superar o impasse é a verticalização das unidades de memória. É o mesmo princípio que se observa na dinâmica urbana. Quando a área para expansão das cidades chega a um limite, elas começam a se verticalizar. O mesmo tenderia a ocorrer nos processadores. Outra saída, mais inovadora, é a substituição da computação de tipo Von Neumann [referência ao matemático húngaro de origem judaica John von Neumann (1903 - 1957)], adotada desde os primórdios da revolução da informática, por uma computação neuromórfica, que busca mimetizar o funcionamento do cérebro," ponderou o pesquisador.

Memória multinivelada

Em vez dos bits 0 ou 1 da computação tradicional, na computação neuromórfica, cada unidade básica poderia exibir vários estados possíveis: o "sim", o "não" e diferentes tipos de "talvez". Além disso, as redes neurais apresentariam padrões de plasticidade e capacidade de aprendizado cada vez mais semelhantes aos das estruturas biológicas. Isso significa que muitas unidades diferentes poderiam se sincronizar, de modo que o padrão elétrico de uma seria aprendido e assumido por outra.

"Ao lado da memória multinivelada, a capacidade de aprendizado é uma característica muito importante do enode", sublinhou Gregório. "Para checar essa capacidade, aplicamos ao dispositivo o teste 'Cachorro de Pavlov'."

O teste, baseado nos experimentos realizados pelo fisiologista russo Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), associa a oferta de comida ao soar de um sino. Depois de vivenciar tal situação, o cão, que saliva instintivamente ao ver ou cheirar a comida, passa a salivar também cada vez que ouve o sino, mesmo na ausência da comida.

"O que fizemos foi reproduzir esse tipo de condicionamento animal utilizando dois sistemas neuromórficos, um relativo à visão (mimetizando a visão da comida), outro relativo à audição (mimetizando a audição do sino). A variação de condutividade em função do potencial elétrico, que ocorria no sistema de visão, foi 'aprendida' pelo sistema de audição, quando os dois sistemas foram integrados", descreveu o pesquisador.

Parece complicado. Mas, no fundo, tudo se resume à dopagem da estrutura do polímero pelo fluxo iônico.

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O avanço na exploração das correntes iônicas está levando à emergência de um novo campo, denominado ionotrônica, uma "eletrônica" movida a íons.
[Imagem: Mikko Raskinen/Aalto University]

Computador neuromórfico

Os computadores atuais, de tipo Von Neumann, já são capazes de aprender, por tentativa e erro. É o que se chama, em linguagem técnica, de "aprendizado de máquina", e já ocorre até mesmo nos celulares.

Foram técnicas de aprendizagem de máquina que levaram aos programas que derrotaram o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, em 1997, que permitiram que o supercomputador Watson derrotasse os dois campeões do programa Jeopardy em 2011, e, em 2016, que o campeão de Go, Lee Sedol, fosse derrotado pelo programa AlphaGo.

Porém o que se busca agora é outro tipo de aprendizado, baseado não no acúmulo de bytes em máquinas gigantescas, mas em unidades de processamento multiniveladas, integradas em redes capazes de mimetizar a plasticidade do cérebro humano.

O componente construído por Gregório e seus colegas ainda possui tamanho macroscópico, da ordem de milímetros. Porém ele é passível de miniaturização em escala nanométrica por meio de fotolitografia. "Nosso grande objetivo é conectar vários dispositivos neuromórficos e mimetizar redes neurais capazes de executar funções cada vez mais complexas", resumiu Gregório. O horizonte é o computador neuromórfico.

Bibliografia:

Artigo: A non-volatile organic electrochemical device as a low-voltage artificial synapse for neuromorphic computing
Autores: Yoeri van de Burgt, Ewout Lubberman, Elliot J. Fuller, Scott T. Keene, Gregório Couto Faria, Sapan Agarwal, Matthew J. Marinella, A. Alec Talin, Alberto Salleo
Revista: Nature Materials
DOI: 10.1038/nmat4856
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