Redação do Site Inovação Tecnológica - 27/07/2021
Mito do colapso
Você provavelmente conhece esta história, ou uma versão dela: Os antigos moradores da Ilha de Páscoa cortaram todas as árvores, talvez para fazer campos para a agricultura ou para erguer estátuas gigantes para homenagear seus clãs. Esta decisão tola levou a um colapso catastrófico, com apenas alguns milhares de habitantes restando para testemunhar a chegada dos primeiros barcos europeus em 1722.
Essa hipótese do colapso ambiental da Ilha de Páscoa - ou Rapa Nui, no idioma nativo - fez sentido para os historiadores, e vem sendo contado como um fato há séculos.
Mas será que o colapso demográfico no cerne desse mito da Ilha de Páscoa realmente aconteceu?
A resposta é não, garante uma equipe de antropólogos que afirma ter abordado a questão pela primeira vez com critérios objetivos.
"Para Rapa Nui, grande parte da discussão acadêmica e popular sobre a ilha gira em torno da ideia de que houve um colapso demográfico, e que esse colapso está correlacionado no tempo com mudanças climáticas e mudanças ambientais," adiantou Robert DiNapoli, da Universidade Binghamton, nos EUA.
Mas, acrescenta o antropólogo, a verdade é que os cientistas nunca antes reconstruíram com precisão os níveis de população da ilha para verificar se tal colapso realmente ocorreu; e, se ocorreu, em que escala.
Foi justamente isso que DiNapoli e seus colegas fizeram agora.
A hipótese do colapso ambiental da Ilha de Páscoa
Algum tempo depois de os humanos terem chega a Rapa Nui, entre os séculos 12 a 13, a ilha outrora coberta de palmeiras foi despojada de todas as suas árvores. Na maioria das vezes, os estudiosos apontam para o desmatamento estimulado pelo homem para abrir áreas para a agricultura e pela introdução de espécies invasoras, como os ratos. Essas mudanças ambientais, afirma esse argumento, reduziram a capacidade da ilha de sustentar a população, o que então teria levado a um declínio demográfico.
Além disso, por volta do ano 1500, houve uma mudança climática no índice de Oscilação Sul, uma mudança que fez o clima de Rapa Nui ficar mais seco.
"Um argumento é que as mudanças no meio ambiente tiveram um impacto negativo. As pessoas veem que houve uma seca e dizem: 'Bem, a seca causou essas mudanças'," detalha o pesquisador Carl Lipo, membro da equipe. "Houve mudanças, a população mudou e o ambiente mudou; com o tempo, as palmeiras se foram e, no final, o clima ficou mais seco. Mas será que essas mudanças realmente explicam o que estamos vendo nos dados populacionais por meio da datação por radiocarbono?"
Calculando populações antigas
Os arqueólogos têm diferentes maneiras de reconstruir o tamanho de uma população usando medidas substitutas, como observar as diferentes idades dos indivíduos nos cemitérios ou contando a quantidade de restos de residências. Esta última medida pode ser problemática porque faz suposições sobre o número de pessoas que viveriam em cada casa e se as casas foram ocupadas ao mesmo tempo, explica DiNapoli.
A técnica mais comum, no entanto, usa datação por radiocarbono para rastrear a extensão da atividade humana durante um momento no tempo e extrapolar as mudanças populacionais a partir desses dados. Mas as datações de radiocarbono também podem ser incertas.
A novidade é que a equipe desenvolveu um novo método que é capaz de resolver essas incertezas e mostrar como as mudanças no tamanho da população se relacionam com as variáveis ambientais ao longo do tempo.
Os métodos estatísticos padrão não funcionam quando se trata de vincular os dados de radiocarbono às mudanças ambientais e climáticas, e às mudanças populacionais relacionadas a elas. Fazer isso envolveria estimar uma "função de verossimilhança", ou função de probabilidade, que atualmente é difícil de calcular. A Computação Bayesiana Aproximada, contudo, é uma forma de modelagem estatística que não requer uma função de verossimilhança e, portanto, oferece aos pesquisadores uma solução alternativa.
População da Ilha de Páscoa
Usando essa técnica, os pesquisadores determinaram que a Ilha de Páscoa experimentou um crescimento populacional constante desde seu assentamento inicial (anos 1.100-1.200) até o contato com os europeus, em 1722. Após essa data, dois modelos mostram um possível platô populacional, enquanto outros dois modelos mostram um possível declínio.
Em outras palavras, a Ilha de Páscoa nunca teve mais do que alguns milhares de pessoas antes do contato com os europeus, e seu número estava aumentando, em vez de diminuindo, concluiu a equipe.
E a construção das estátuas moai, consideradas por alguns como um fator que contribuiu para o colapso, na verdade continuou mesmo após a chegada dos europeus.
Em suma, não há evidências de que os ilhéus usaram as palmeiras agora desaparecidas para se alimentar, um ponto-chave de muitos mitos do colapso ambiental. Esta nova pesquisa mostra que o desmatamento foi prolongado e não resultou em erosão catastrófica - na verdade, as árvores foram substituídas por jardins cobertos com pedras que aumentaram a produtividade agrícola. Com isso, durante os períodos de seca a população pode ter tirado proveito da água doce infiltrada no solo.
"Essas estratégias de resiliência tiveram muito sucesso, apesar do fato de que o clima ficou mais seco," disse Lipo. "Eles são um bom caso de resiliência e sustentabilidade."
Menos tecnologia e mais sabedoria
Os pesquisadores advertem que os proponentes da história do colapso ambiental da Ilha de Páscoa tendem a ver os novos dados e análises como um negador da mudança climática - isso enfaticamente não é o caso.
Mas eles ressaltam que as maneiras como os povos antigos lidaram com as mudanças climáticas e ambientais não refletem necessariamente as crises globais atuais e seu impacto no mundo moderno - na verdade, eles podem ter muito a nos ensinar sobre resiliência e sustentabilidade.
"Há uma tendência natural de pensar que as pessoas no passado não eram tão inteligentes quanto nós e que, de alguma forma, cometeram todos esses erros, mas na verdade é o contrário," disse Lipo. "Mesmo que suas tecnologias sejam mais simples do que as nossas, há muito a aprender sobre o contexto em que foram capazes de sobreviver."