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Nanotecnologia

Perto do zero absoluto, a matéria sempre tende a se ordenar

Com informações da Agência Fapesp - 27/07/2020

Perto do zero absoluto, a matéria sempre tende a se ordenar
A matéria sempre tende a se ordenar em baixas temperaturas. Em (a), o ponto crítico (azul claro) muda de fase quando o campo magnético externo atinge um valor crítico. Em (b), é mostrado um ponto crítico hipotético (ponto em vermelho). O gradiente em vermelho representa o papel das interações mútuas entre momentos magnéticos, que se tornam cada vez mais relevantes ao se diminuir a temperatura. As linhas tracejadas representam linhas de transição.
[Imagem: Lucas Squillante et al. - 10.1038/s41598-020-64632-x]

Ordenamento inesperado

Quando coisas sólidas esquentam o suficiente eles derretem e passam para a fase líquida e, a seguir, para a fase gasosa; e quando o gradiente de temperatura inverte, as coisas gasosas atingirão um ponto em que ficarão líquidas e, a seguir, outro ponto no qual ficarão sólidas.

Os físicos descrevem isso afirmando que as transições de fase são regidas pela temperatura.

Mas parece que essa não é uma lei assim tão geral: Quando a temperatura tende ao zero absoluto, as transições de fase passam a ser influenciadas também por outros parâmetros. Entre eles, destacam-se a pressão, o campo magnético e a pureza do material, uma vez que as impurezas - também chamadas elementos dopantes - introduzem desordem na estrutura molecular.

Esta foi a descoberta de Lucas Squillante e Isys Mello, juntamente com uma equipe do Departamento de Física da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro.

E uma descoberta surpreendente porque traça uma outra imagem da matéria quando se olham seus constituintes mais básicos - em vez de átomos continuamente se agitando ou se acalmando, conforme a temperatura abaixa, o que ocorre é que, próximo ao zero absoluto, as partículas não estão mais na base do "cada uma por si", com as interações levando-as a buscar um ordenamento.

"Em materiais paramagnéticos [materiais que sofrem a influência de um campo magnético], sempre há uma diminuta contribuição de muitos corpos para a energia do sistema. Essa contribuição pode ser considerada como um pequeno campo magnético local efetivo. Geralmente, tal campo é desprezado, pelo fato de a energia associada a ele ser muito pequena quando comparada com a energia associada a flutuações térmicas ou a campos magnéticos externos. Mas, quando a temperatura e o campo magnético externo tendem a zero, as contribuições de muitos corpos se tornam bastante expressivas," explicou o professor Mariano de Souza, que coordenou a descrição teórica do fenômeno feita pela equipe.

Fases magnéticas

O que Squillante e Isys descobriram é que, devido às múltiplas interações - não mais apenas da temperatura -, a matéria sempre tende a se ordenar nas proximidades do zero absoluto.

Assim, coisas que até agora eram descritas e caracterizadas com determinadas propriedades, na verdade nunca atingem o "estado pleno" que se acreditava - elas apenas se aproximam desse estado. É o caso, por exemplo, dos gases, líquidos e gelos de spin e do mais conhecido condensado de Bose-Einstein.

Com importantes aplicações na computação quântica, os gases, líquidos e gelos de spin são fases magnéticas, assim como o vapor, o líquido e o gelo são fases da matéria da água. Os físicos acreditavam até agora que, nesses materiais, as interações concorrentes, ou "frustradas", fariam com que a direção dos spins - ou momentos magnéticos - das partículas flutuaria continuamente, semelhante às diferentes desordens observadas nas fases da matéria.

Perto do zero absoluto, a matéria sempre tende a se ordenar
Devido à forma como a temperatura é definida, não há uma transição suave entre as temperaturas absolutas positivas e negativas - assim, é possível alcançar temperaturas abaixo do zero absoluto.
[Imagem: LMU/MPG Munich]

O que se descobriu agora é que o modelo de um gás de spins não interagentes, por exemplo, nunca ocorre na realidade, porque a interação de muitos corpos entre os spins que constituem o sistema impõe um ordenamento.

"Verificamos que, em materiais reais, não é possível existir um ponto crítico no qual ocorra uma transição de fase quântica em campo zero genuína, porque sempre perdura esse campo magnético residual, decorrente das interações de muitos corpos. Devido a essa interação, em um contexto mais amplo, é impossível obter uma condensação de Bose-Einstein ideal," confirma o professor Mariano.

Condensação de Bose-Einstein

A condensação de Bose-Einstein, por sua vez, é obtida quando um conjunto de átomos tem sua temperatura resfriada quase ao zero absoluto. É uma condição muito especial, muitas vezes chamada de "quinto estado da matéria", sendo os quatro primeiros o sólido, o líquido, o gasoso e o plasma.

Nessas condições, as partículas já não possuem energia livre para se movimentarem umas em relação às outras, e passam a compartilhar os mesmos estados quânticos, comportando-se como se fossem uma única partícula, uma espécie de átomo artificial. Previsto por Satyendra Nath Bose (1894-1974) e Albert Einstein (1879-1955) em 1924, a realização experimental de um condensado de Bose-Einstein valeu o Prêmio Nobel de Física de 2001.

"O que o nosso estudo mostrou foi que, embora uma condensação de Bose-Einstein não ideal possa ser obtida experimentalmente, a condição ideal da condensação não pode ser alcançada. Isso porque ela pressupõe que as partículas não se percebam, isto é, não interajam umas com as outras. E essa interação residual sempre ocorre, mesmo nas vizinhanças de zero kelvin.

"Outra descoberta foi que é possível magnetizar adiabaticamente [isto é, sem ganho ou perda de calor] o material valendo-se apenas dessas interações mútuas," finalizou o pesquisador.

Bibliografia:

Artigo: Unveiling the Physics of the Mutual Interactions in Paramagnets
Autores: Lucas Squillante, Isys F. Mello, Gabriel O. Gomes, A. C. Seridonio, R. E. Lagos-Monaco, H. Eugene Stanley, Mariano de Souza
Revista: Nature Scientific Reports
Vol.: 10, Article number: 7981
DOI: 10.1038/s41598-020-64632-x
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