Moisés de Freitas - 20/08/2010
Vácuo quântico
Você decididamente não encontrará um cientista querendo falar sobre "energia extraída do nada".
Mas alguns já estão dispostos a falar sobre extrair matéria do nada. Ou, pelo menos, do espaço "aparentemente" vazio.
Se o feito pode se assemelhar a alguma espécie de "criação" é coisa que ficará para os filósofos discutirem.
De qualquer forma, como parece ser bem adequado ao tema, é necessário começar do começo.
O princípio de incerteza de Heisenberg, um dos pilares da mecânica quântica, implica que nenhum espaço pode estar verdadeira e inteiramente vazio. De fato, e para desespero final dos materialistas, a ciência já demonstrou que a matéria é resultado das flutuações do vácuo quântico.
Em termos absolutamente singelos, vácuo quântico é o "nada" visto por um físico. "Visto" pode parecer força de expressão, mas não é: na verdade, os físicos já conseguiram capturar e armazenar o seu "nada".
É desse vazio que nunca é vazio que emerge a matéria. Flutuações aleatórias do vácuo quântico geram constantemente uma multiplicidade de partículas, as chamadas partículas virtuais, entre elas elétrons e pósitrons.
Assim, caso ainda não estivesse a par, saiba que a física quântica, a meros cento e poucos anos, decretou que o nada é uma impossibilidade. "Não há nada" passou a ser uma proposição intransitiva, que não exige complemento.
Antimatéria
Elétrons são bem conhecidos, deram nome à eletrônica. Os pósitrons também já estão sendo úteis na maioria dos laboratórios clínicos e hospitais, nos famosos exames de tomografia por emissão de pósitrons, PET-Scan para os "sigla-maníacos".
Menos sabido é que os pósitrons são partículas de antimatéria - mais especificamente, são antielétrons. Como elétrons e pósitrons surgem aleatoriamente do vácuo quântico, eles se encontram e se aniquilam quase com a mesma rapidez com que surgem. E esse equilíbrio de matéria e antimatéria garante que não fique jorrando matéria do nada o tempo todo.
O que os físicos querem fazer agora é tornar reais essas partículas virtuais, fazê-las romper o limiar de sua vida efêmera e trazê-las à existência real.
A possibilidade de que isso aconteça foi prevista por Fritz Sauter, em 1931. Segundo ele, um campo elétrico forte o suficiente pode transformar as partículas virtuais em partículas reais de tal forma que possam ser detectadas.
A dificuldade sempre esteve justamente nesse "campo elétrico forte o suficiente".
Super laser
Alexander Fedotov e seus colegas da Rússia, França e Alemanha, acreditam que o experimento, finalmente, começará ser viabilizado por volta de 2015, quando será inaugurada a primeira etapa do Extreme Light Infrastructure (ELI).
O ELI, um projeto conjunto de 13 países europeus, será o laser de maior potência já construído, cerca de seis vezes mais forte do que os mais fortes atualmente. Ele deverá gerar pulsos ultra curtos de radiação de alta energia - cerca de 100 GeV - suficientes para fazer com que partículas acelerem até próximo da velocidade da luz.
Fedotov e seus colegas acreditam que o ELI será suficiente para gerar 1026 Watts por centímetro quadrado. Segundo seus cálculos, isso será o bastante para dar vida às partículas virtuais.
Em 1997, uma equipe do acelerador SLAC, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, conseguiu criar pares de elétrons-pósitrons. Mas a potência do ELI poderá permitir uma reação em cadeia, criando os pares aos milhões.
Segundo Fedotov e seus colegas, o primeiro par de elétron-pósitron criado será acelerado pelo laser, gerando luz. Estes fótons, juntamente com os demais fótons do laser, vão criar mais pares, que gerarão mais fótons para se juntar ao laser, e assim por diante, fazendo finalmente a matéria jorrar do nada. Ou melhor, jorrar do vácuo quântico.
Impensável
Enquanto esperam até que os engenheiros façam o seu trabalho, o físicos continuarão procurando pela quarta propriedade do elétron, que também poderá lançar alguns fótons sobre o paradeiro de toda a antimatéria que teria sido criada no Big Bang.
Ou sonhando com o super colisor de partículas linear, que deverá ser o sucessor do LHC, e que promete não apenas responder a algumas dessas questões eterealmente imateriais, como lançar outras exponencialmente mais impensáveis.