Redação do Site Inovação Tecnológica - 06/08/2024
Biofabricação
Pesquisadores vêm tentando há muito tempo transformar microrganismos em minifábricas vivas que possam produzir materiais de interesse econômico, já que eles fazem isto de um modo que é sustentável e limpo, sem químicos agressivos, em temperatura ambiente e na água.
Por exemplo, conhecemos bactérias que produzem coisas como celulose, seda e até minerais. O problema é que elas produzem pouco, o que significa que seriam necessários biorreatores enormes para tornar as biofábricas economicamente viáveis.
Há um caminho bem conhecido para tornar as bactérias mais produtivas, a manipulação genética. Parece simples e fácil, mas é tudo, menos simples e fácil: Para começar, os cientistas precisam saber em quais genes mexer, depois precisam de ferramentas de edição genética que sejam confiáveis e não produzam mutações indesejadas, e então garantir que as bactérias mutadas permaneçam com sua nova configuração genética estável ao longo de gerações - já sabemos que a evolução age contra a biofabricação em escala industrial.
Julie Laurent e colegas do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH) encontraram agora uma nova rota que facilita muito tudo isso. Em termos simples, basta induzir mutações genéticas aleatórias nas bactérias e então deixar que a natureza faça o restante do trabalho. E, para não precisar ficar esperando milhares de anos, tudo pode ser feito de modo mais rápido por meio da seleção natural - na verdade, por meio de uma "seleção forçada".
Seguindo os princípios da evolução por seleção natural, o novo método permite produzir dezenas de milhares de variantes de cada bactéria muito rapidamente, bastando então selecionar as cepas que produzem mais do material de interesse. O resultado é incomparavelmente melhor e mais rápido do que ficar tentar induzir mutações genéticas "manualmente" e então testar cada cepa.
Evolução forçada
Laurent trabalhou com a bactéria Komagataeibacter sucrofermentans, que produz celulose, mas a técnica pode funcionar para outros microrganismos.
Ela começou irradiando células bacterianas selvagens com luz UV-C, que danifica pontos aleatórios do DNA bacteriano, e então colocou as bactérias em uma sala escura para evitar qualquer reparo do dano ao DNA. Ou seja, a pesquisadora forçou mutações genéticas nas bactérias.
A pesquisadora então encapsulou cada célula bacteriana em uma pequena gota de solução nutritiva e permitiu que elas produzissem sua celulose naturalmente durante um período específico de tempo. Finalmente, ela mediu quais bactérias produziam mais celulose - tudo sem nenhuma preocupação com quais genes estavam ou precisavam ser mexidos.
Usando um equipamento automatizado desenvolvido no próprio instituto, em questão de minutos a equipe rastreou meio milhão de gotículas com um laser, identificando aquelas que continham mais celulose.
O esforço rendeu quatro cepas bacterianas de interesse, que produziram de 50 a 70% mais celulose do que o tipo selvagem. As placas de celulose produzidas pelas variantes forçadamente evoluídas são quase duas vezes mais pesadas e espessas que aquelas produzidas pelo tipo selvagem.
Genes não foram alterados
A surpresa maior, contudo, ainda estava por vir: Laurent e seus colegas analisaram o DNA das quatro variantes mais produtivas, para descobrir quais genes foram alterados pela luz UV-C e como essas mudanças levaram à superprodução de celulose.
Todas as quatro variantes tinham a mesma mutação no mesmo gene - só que em um gene envolvido na produção de uma enzima degradadora de proteínas, uma protease. Ou seja, não houve nenhuma mutação nos genes que os cientistas acreditam controlar a produção de celulose, mostrando porque esse resultado nunca foi alcançado pela técnica tradicional de edição genética.
Entender exatamente o que está acontecendo exigirá novos estudos, mas a equipe acredita que a protease degrada proteínas que controlam a produção de celulose. "Sem essa regulação, a célula não consegue mais parar o processo," sugere a pesquisadora.
Agora a equipe pretende colaborar com empresas produtoras de celulose bacteriana para testar o novo microrganismo em condições industriais reais. Esse tipo de celulose pode ter muitos usos, mas já é empregado na cicatrização de feridas e na prevenção de infecções.