Redação do Site Inovação Tecnológica - 17/01/2022
Panela mais quente que o fogão
Pesquisadores do Centro de Pesquisas Dresden-Rossendorf (HZDR), na Alemanha, estão ajudando a elucidar um dos maiores mistérios da física, mais especificamente, da física das estrelas.
O mistério se refere ao fato de que a superfície do Sol tem temperaturas de cerca de 6.000 ºC, enquanto sua alta atmosfera, ou coroa, ultrapassa facilmente os 2.000.000 ºC.
"Por que a panela está mais quente que o fogão?" questiona o pesquisador Frank Stefani.
Uma trilha "quente" para explicar esse efeito leva a uma região da atmosfera solar logo abaixo da coroa, onde as ondas sonoras e certas ondas de plasma viajam na mesma velocidade.
Em 1942, Hannes Alfvén propôs a existência de um tipo de onda eletromagnética-hidrodinâmica que transportaria energia da fotosfera para aquecer a coroa e o vento solar. Ele afirmou que o Sol tinha todos os elementos necessários para a existência dessas ondas, e que elas também poderiam ser responsáveis pelas manchas solares. Desde então, essas ondas hipotéticas passaram a ser conhecidas como ondas de Alfvén.
Agora, Stefani e seus colegas finalmente conseguiram desenvolver um modelo de laboratório e, pela primeira vez, confirmar experimentalmente o comportamento previsto teoricamente dessas ondas de plasma.
Magnetismo virando calor
O fato de os campos magnéticos desempenharem um papel dominante no aquecimento da coroa solar hoje é amplamente aceito na física solar. No entanto, permanecia controverso se esse efeito se deve a uma mudança repentina nas estruturas do campo magnético no plasma solar ou ao amortecimento de diferentes tipos de ondas.
Os campos magnéticos são parte importante da teoria das ondas de Alfvén, atuando nas partículas ionizadas do plasma de forma similar a uma corda de violão, cujo toque desencadeia um movimento ondulatório. Assim como o tom de uma corda dedilhada aumenta com sua tensão, a frequência e a velocidade de propagação da onda de Alfvén aumenta com a força do campo magnético.
O grande problema era reproduzir experimentalmente essas condições extremas.
Stefani fez isto usando campos magnéticos pulsados de alta frequência. Enquanto a maioria dos grandes ímãs supercondutores apresenta campos magnéticos de até 20 teslas, o eletroímã pulsado disponível no Laboratório de Alto Campo Magnético de Dresden permite atingir picos de até 100 teslas, o que permitiu gerar as condições necessárias para o experimento.
"Logo abaixo da coroa solar está o chamado dossel magnético, uma camada na qual os campos magnéticos são alinhados paralelamente à superfície solar. Aqui, as ondas de som e de Alfvén têm aproximadamente a mesma velocidade e podem, portanto, facilmente se mesclar umas com as outras. Nós queríamos chegar exatamente a este ponto mágico - onde começa a transformação semelhante a um choque da energia magnética do plasma em calor," explicou Stefani.
Mas faltava casar a velocidade das ondas de Alfvén com a velocidade das ondas sonoras - nos experimentos usando metal líquido feitos até então, as ondas de Alfvén são muito mais rápidas. A grande sacada veio quando a equipe se deu conta de que o metal alcalino rubídio atingiria este ponto mágico já em 54 teslas.
Energia magnética transformando-se em calor
Por causa das pressões de até cinquenta vezes a pressão atmosférica geradas pelo campo magnético pulsado, o rubídio fundido teve que ser encerrado em um recipiente de aço inoxidável. Ao injetar corrente alternada no fundo do recipiente e, ao mesmo tempo, expô-lo ao campo magnético, foi finalmente possível gerar ondas de Alfvén no metal liquefeito, que apresentaram um movimento ascendente na velocidade esperada.
Até a intensidade do campo mágico de 54 teslas todas as medições foram dominadas pela frequência do sinal de corrente alternada. Então, exatamente neste ponto, apareceu um novo sinal com frequência reduzida pela metade. E essa duplicação repentina do período está em perfeito acordo com as previsões teóricas: As ondas de Alfvén romperam a barreira do som, gerando a condição para que a energia magnética transforme-se em calor e possa subir da superfície para a coroa solar.
Embora nem todos os efeitos observados possam ser explicados tão facilmente, o experimento contribui com um detalhe importante para resolver o quebra-cabeças do aquecimento da coroa solar, validando a teoria das ondas de Alfvén. Para o futuro, os pesquisadores estão planejando análises numéricas mais detalhadas e novos experimentos.
Enquanto isso, a pesquisa sobre o mecanismo de aquecimento da coroa solar também está sendo realizada in situ: As sondas espaciais Parker Solar Probe e Solar Orbiter estão coletando dados conforme se aproximam do Sol como nenhuma outra nave jamais fez antes.