Redação do Site Inovação Tecnológica - 15/05/2025
Materiais vivos
Trabalhar com materiais como celulose, lignina ou quitina é um caminho muito trilhado porque todos esses materiais de base biológica podem ser produzidos de modo sustentável e os bens resultantes são biodegradáveis.
Mas a história real é um pouco mais complicada porque, embora essas substâncias sejam biodegradáveis em sua forma pura, muitas vezes elas não apresentam o desempenho ideal. E etapas de processamento químico usadas para torná-las mais fortes, resistentes ou flexíveis, acabam comprometendo sua sustentabilidade. É por isso que há tantas acusações de "verdejamento" contra essas iniciativas.
A boa notícia é que dá para evitar esse ganha-perde indo mais fundo no aspecto "bio" da questão: É só trabalhar com materiais realmente vivos.
Ashutosh Sinha e colegas do Laboratório Federal Suíço de Ciência e Tecnologia de Materiais (EMPA) desenvolveram um material de base biológica que, além de ser totalmente biodegradável, é resistente a rasgos e possui propriedades funcionais versáteis. Tudo isso com etapas mínimas de processamento e sem produtos químicos - você pode até comer o material.
Otimizando a natureza
A base para o novo material é o micélio do cogumelo orelha-de-pau (Schizophyllum commune), um fungo comestível amplamente difundido que cresce em madeira morta.
Micélios são estruturas fúngicas filamentosas semelhantes a raízes que já estão sendo ativamente pesquisadas como potenciais fontes de materiais. Mas, em vez de limpar e processar quimicamente as fibras miceliais - conhecidas como hifas -, Sinha e seus colegas usaram o micélio como um todo. À medida que cresce, o fungo não apenas forma hifas, mas também a chamada matriz extracelular, uma rede de várias macromoléculas semelhantes a fibras, proteínas e outras substâncias biológicas que as células vivas secretam.
"O fungo usa essa matriz extracelular para se dotar de estrutura e outras propriedades funcionais. Por que não deveríamos fazer o mesmo?" justificou Sinha.
Mas a equipe foi além e conseguiu uma otimização adicional em relação à natureza. Da enorme diversidade genética do fungo orelha-de-pau, eles selecionaram uma cepa que produz níveis particularmente altos de duas macromoléculas específicas, o polissacarídeo de cadeia longa esquizofilano e a proteína hidrofobina, semelhante a um sabão.
Devido à sua estrutura, as hidrofobinas se acumulam nas interfaces entre líquidos polares e apolares, como água e óleo. O esquizofilano é uma nanofibra, com menos de um nanômetro de espessura, mas mais de mil vezes mais longa. Juntas, essas duas biomoléculas conferem ao micélio vivo propriedades que o tornam adequado para uma ampla gama de aplicações.
De emulsões a baterias
A versatilidade do material vivo foi demonstrada por meio de duas aplicações: Uma película plástica e uma emulsão. Emulsões são misturas de dois ou mais líquidos que normalmente não se misturam, como os ingredientes de um molho para salada, maionese, além de diversos cosméticos, tintas e vernizes.
É complicado estabilizar essas emulsões para que elas não se separem em líquidos individuais ao longo do tempo. É aqui que o micélio vivo mostra sua força: Tanto as fibras esquizofilinas quanto as hidrofobinas funcionam como emulsificantes, e o fungo vivo continua liberando mais dessas moléculas. "Este é provavelmente o único tipo de emulsão que se torna mais estável com o tempo," disse Sinha. "Seu uso como emulsificante na indústria cosmética e alimentícia é, portanto, particularmente interessante."
Para a segunda demonstração, o micélio foi fabricado na forma de filmes finos - virtualmente um papel vivo. A matriz extracelular, com suas longas fibras esquizofilinas, confere ao material uma excelente resistência à tração, que pode ser ainda mais aprimorada pelo alinhamento direcionado das fibras fúngicas e polissacarídicas em seu interior. Isso torna a rede fúngica viva adequada para aplicações com materiais clássicos. "Nosso micélio é um composto de fibras vivas, por assim dizer," disse Sinha.
O micélio também tem aplicações promissoras na área da eletrônica sustentável, um campo emergente conhecido como miceliotrônica. Por exemplo, o material fúngico apresenta uma reação reversível à umidade e pode ser usado para produzir sensores de umidade biodegradáveis. Outra aplicação em que a equipe está trabalhando atualmente combina o material vivo para criar baterias de natureza biológica, sendo uma biobateria fúngica e uma bateria de papel. "Queremos produzir uma bateria compacta e biodegradável, cujos eletrodos sejam feitos de um 'papel fúngico' vivo," anunciou Sinha.
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