Redação do Site Inovação Tecnológica - 11/03/2024
Átomos com memória
Ao estudar como as baterias poderiam durar mais, Andrey Poletayev e colegas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e do acelerador SLAC, nos EUA, viram algo totalmente inesperado: Íons, que são átomos com carga elétrica, podem ter memória, lembrando-se de onde estavam no passado.
As baterias de estado sólido armazenam e liberam carga empurrando os íons para frente e para trás entre dois eletrodos. Do nosso ponto de vista habitual, os íons fluem através do eletrólito sólido da bateria como um fluxo suave.
Mas, quando visto em escala atômica, esse fluxo suave é uma ilusão: Os íons individuais saltam erraticamente de um espaço aberto para outro dentro da espaçosa rede atômica do eletrólito, empurrados na direção de um eletrodo por uma tensão constante. Esses saltos são difíceis de prever, e mais difícil ainda é tentar forçá-los de modo controlado e então detectá-los - para fazer medições e tentar melhorar as baterias.
"Você pode pensar nesses íons se comportando como uma mistura de amido de milho e água," comparou Poletayev. "Se empurrarmos suavemente essa mistura de amido de milho, ela se comporta como um líquido; mas se a perfurarmos, ela fica sólida. Os íons em uma bateria são como um amido de milho eletrônico: Eles resistem a uma forte sacudida de um choque de luz laser, movendo-se para trás."
Foi ao fazer isto que o pesquisador teve uma surpresa: Ao usar um laser para dar uma cutucada nessa massa de íons, a maioria deles inverteu brevemente a direção e retornou às suas posições anteriores; em seguida, eles então retomaram suas viagens habituais, com seus traçados aleatórios.
Foi a primeira indicação de que os íons se lembram, de certa forma, de onde tinham acabado de estar.
Essa "memória difusa" dos íons, como Poletayev a chamou, dura apenas alguns bilionésimos de segundo. Mas saber que ela existe ajudará os cientistas a prever, pela primeira vez, que percurso os íons farão a seguir - uma consideração importante para a descoberta e desenvolvimento de novos materiais para baterias e várias outras aplicações.
É uma questão do instrumento científico usado
Até hoje, os cientistas sempre pensaram no movimento dos íons como sendo uma caminhada aleatória: Eles se acotovelariam, colidiriam e tropeçariam, como uma pessoa bêbada cambaleando pela calçada. Nessa descrição, apenas "eventualmente" os íons chegam a algum destino de um modo que pode parecer deliberada para um observador. Como eles de fato chegam ao destino, senão as baterias não funcionariam, esse "eventualmente" é descrito com ferramentas estatísticas.
Os pesquisadores comparavam essa sua visão anterior com um evento pitoresco: Imagine um gambá liberando um spray fedorento em uma sala cheia de gente; as moléculas do spray se chocam e colidem aleatoriamente, mas chegam rapidamente ao seu nariz.
Quando se trata dos íons saltitantes nas baterias, "essa imagem acaba sendo errada em escala atômica, mas isso não é culpa das pessoas que chegaram a essa conclusão. Acontece que os pesquisadores têm investigado o transporte iônico com ferramentas macroscópicas por tempo demais, e eles não conseguiram observar o que vimos neste estudo," disse Poletayev.
Segundo a equipe, essa descoberta feita em escala atômica, usando o acelerador de partículas, ajudará a melhorar a qualidade dos simuladores computadorizados que tentam modelar os movimentos dos átomos e íons, permitindo-os chegar ao comportamento macroscópico dos materiais que estiverem sendo estudados.
Se dará para explorar a memória espacial dos íons para fazer baterias mais eficientes é algo que exigirá novas pesquisas e o desenvolvimento de modos mais práticos de controlar seu movimento.