Redação do Site Inovação Tecnológica - 30/07/2024
Maior de todos os tempos
No dia 9 de outubro de 2022, um intenso pulso de radiação de raios gama varreu nosso Sistema Solar, um pulso tão forte que cegou nossos telescópios que monitoram o Universo em busca das explosões de raios gama, ou GRBs (gamma-ray bursts).
Embora seu nome oficial seja GRB 221009A, os cientistas chamam essa explosão de BOAT, que não é um nome, mas uma sigla para "mais brilhante de todos os tempos" (Brightest Of All Times). Mas essa que foi a explosão mais intensa já observada continua desafiando as explicações.
E, ao observar com mais cuidado os dados do telescópio Fermi, Maria Ravasio e colegas da Universidade Radboud, nos Países Baixos, observaram uma particularidade que ninguém havia notado antes.
"Poucos minutos após a erupção do BOAT, o Monitor de Explosão de Raios Gama do Fermi registrou um pico de energia incomum que chamou nossa atenção," contou a pesquisadora. "Nossa análise desde então mostra que esta é a primeira linha de emissão de alta confiança já vista em 50 anos de estudo de GRBs."
"Embora alguns estudos anteriores tenham relatado possíveis evidências de características de absorção e emissão em outras GRBs, o exame subsequente revelou que todas elas poderiam ser apenas flutuações estatísticas. O que vemos no BOAT é diferente," disse Om Salafia, do Observatório INAF-Brera, na Itália. "Determinamos que as chances de essa característica ser apenas uma flutuação de ruído são menores do que uma chance em meio bilhão."
E aí vem o mais interessante: Esse evento é compatível com partículas de matéria e antimatéria se aniquilando a 99,9% da velocidade da luz.
Entenda o evento
Quando a matéria interage com a luz, a energia pode ser absorvida e reemitida de maneiras características. Essas interações podem clarear ou escurecer cores (ou energias) específicas, produzindo características-chave visíveis quando a luz é espalhada, como um arco-íris, em um espectro - esta é a linha de emissão.
Essas características podem revelar uma riqueza de informações, como os elementos químicos envolvidos na interação. Em energias mais altas, as características espectrais podem revelar processos específicos de partículas, como a aniquilação de matéria e antimatéria para produzir raios gama.
As GRBs são as explosões mais poderosas do cosmos e emitem grandes quantidades de raios gama, a forma de luz de mais alta energia. O tipo mais comum ocorre quando o núcleo de uma estrela massiva esgota seu combustível, colapsa e forma um buraco negro de rotação rápida. A matéria que cai no buraco negro alimenta jatos de partículas em direções opostas que atravessam as camadas externas da estrela quase na velocidade da luz. Nossos observatórios detectam as GRBs quando um desses jatos aponta quase diretamente para a Terra.
Mas o BOAT foi tão forte que saturou quase imediatamente a maioria dos detectores de raios gama em órbita, incluindo os do telescópio Fermi, o que nos impediu de medir a parte mais intensa da explosão. Mas observações reconstruídas, juntamente com argumentos estatísticos, sugerem que o BOAT foi provavelmente a explosão mais brilhante a aparecer nos céus da Terra em 10.000 anos.
Linha de emissão
Para felicidade dos astrofísicos, a linha de emissão apareceu quase 5 minutos após a explosão ter sido detectada e bem depois de ter escurecido o suficiente para acabar com os efeitos de saturação nos sensores dos telescópios. A linha persistiu por pelo menos 40 segundos, e a emissão atingiu um pico de energia de cerca de 12 MeV (milhões de elétron-volts) - para comparação, a energia da luz visível varia de 2 a 3 elétron-volts.
A questão é: O que produziu essa característica espectral? A equipe acredita que a fonte mais provável é a aniquilação de elétrons e suas contrapartes de antimatéria, os pósitrons. E essa aniquilação cria raios gama.
"Quando um elétron e um pósitron colidem, eles se aniquilam, produzindo um par de raios gama com uma energia de 0,511 MeV," detalhou Gor Oganesyan, do Instituto de Ciências Gran Sasso, na Itália.
Se essa interpretação estiver correta, para produzir uma linha de emissão com pico de 12 MeV, as partículas aniquiladoras teriam que estar se movendo em nossa direção a cerca de 99,9% da velocidade da luz, o que é muito rápido, muito mais rápido do que o esperado.
"Após décadas estudando essas incríveis explosões cósmicas, ainda não entendemos os detalhes de como esses jatos funcionam," observou Elizabeth Hays, da equipe do telescópio Fermi. "Encontrar pistas como essa notável linha de emissão ajudará os cientistas a investigar esse ambiente extremo mais profundamente."