Redação do Site Inovação Tecnológica - 01/07/2025
Verdade inconveniente da biologia
Em 1859, Charles Darwin imaginou a evolução como um progresso lento e gradual, com as espécies acumulando pequenas mudanças ao longo do tempo. Mas até ele ficou surpreso ao descobrir que o registro fóssil não apresentava elos perdidos: As formas intermediárias que deveriam ter contado essa história passo a passo simplesmente não estavam lá.
A explicação de Darwin foi tão incômoda quanto o próprio fato que a gerou: Basicamente, o registro fóssil seria um arquivo do qual algumas páginas foram arrancadas - só que, de modo um tanto constrangedor, só as páginas intermediárias desapareceram.
Em 1972, a escassez de formas intermediárias levou os paleontólogos Stephen Jay Gould e Niles Eldredge a propor uma ideia alternativa, hoje conhecida como "equilíbrio pontuado". Segundo essa teoria, em vez de mudar lentamente, as espécies permanecem estáveis por milhões de anos e, de repente, dão saltos evolutivos rápidos e radicais. Esse modelo explicaria por que o registro fóssil parece tão silencioso entre as espécies: Grandes mudanças ocorreriam repentinamente e em populações pequenas e isoladas, bem fora do radar paleontológico.
Embora alguns fósseis deem suporte a esse padrão, a comunidade científica permanece dividida: Isso é uma regra da evolução ou uma exceção?
Novo mecanismo genético
Agora, Carlos Vargas-Chávez e colegas de várias instituições da Espanha descobriram um mecanismo de reorganização genômica rápida e massiva que pode ter desempenhado um papel na transição de animais marinhos para terrestres há 200 milhões de anos. Este seria a primeira demonstração de um mecanismo biológico concreto a dar suporte à teoria de Gould e Eldredge.
A equipe demonstrou que anelídeos marinhos (vermes ou minhocas) reorganizaram seu genoma de cima para baixo, deixando-o irreconhecível, ao deixarem os oceanos. As observações são consistentes com um modelo de equilíbrio pontuado e podem indicar que não apenas mudanças graduais, mas também mudanças repentinas no genoma podem ter ocorrido à medida que esses animais se adaptavam a ambientes terrestres.
Esse novo mecanismo genético agora identificado pode mudar nosso conceito da evolução animal e revolucionar as leis estabelecidas da evolução do genoma.
"Este é um episódio essencial na evolução da vida em nosso planeta, visto que muitas espécies, como vermes e vertebrados, que viviam no oceano, agora se aventuraram em terra pela primeira vez," comentou a professora Rosa Fernández. "A enorme reorganização dos genomas que observamos nos vermes à medida que se deslocavam do oceano para a terra não pode ser explicada pelo mecanismo parcimonioso proposto por Darwin; as nossas observações estão muito mais em sintonia com a teoria do equilíbrio pontuado de Gould e Eldredge."
Reorganização do genoma
A equipe descobriu que os vermes marinhos quebraram seu genoma em mil pedaços, por assim dizer, apenas para reconstruí-lo de modo totalmente aleatório, e então continuar seu caminho evolutivo em terra. Esse fenômeno contesta os modelos de evolução genômica conhecidos até agora: Em quase qualquer espécie que observarmos, seja uma esponja, um coral ou um mamífero, os animais conservam quase perfeitamente a maioria das suas estruturas genômicas.
A razão pela qual essa desconstrução drástica não levou à extinção dos animais pode estar na estrutura tridimensional do genoma. A equipe descobriu que os cromossomos dessas minhocas modernas são muito mais flexíveis do que os de vertebrados e outros organismos modelo. Graças a essa flexibilidade, é possível que genes em diferentes partes do genoma possam mudar de lugar e continuar trabalhando juntos.
"Você poderia pensar que esse caos significaria a extinção da linhagem, mas é possível que o sucesso evolutivo de algumas espécies seja baseado nesse superpoder," disse Fernández. "Na verdade, a estabilidade pode ser a exceção e não a regra nos animais, que poderiam se beneficiar de um genoma mais fluido."
Este fenômeno de reorganização genética extrema já havia sido observado na progressão do câncer em humanos. O termo cromoanagênese abrange vários mecanismos que quebram e reorganizam cromossomos em células cancerosas, que apresentam alterações semelhantes às observadas nos vermes. A única diferença é que, enquanto essas quebras e reorganizações genômicas são toleradas pelos vermes, nos humanos elas levam a doenças. Assim, os resultados deste estudo também abrem caminho para uma melhor compreensão desse mecanismo genômico radical, com implicações para a saúde humana.
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