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Eletrônica

Torcer o grafeno gera nova ligação molecular - e uma nova eletrônica

Com informações da Agência Fapesp - 16/05/2022

Torcer o grafeno gera nova ligação molecular - e uma nova eletrônica
Os átomos mostram-se localmente como se estivessem isolados uns dos outros. Mas, por causa de correlações quânticas não locais, a estrutura apresenta um caráter molecular.
[Imagem: Antonio Seridonio/Unesp]

Ângulo mágico

Em 2018, pesquisadores descobriram que o grafeno pode ir de isolante a supercondutor em apenas um movimento, bastando colocar uma folha do nanomaterial de carbono sobre outra igual, girando uma delas em cerca de 1,1º em relação à outra.

Esse agora famoso "ângulo mágico" deu origem a um novo campo de estudos, conhecido hoje como "twistrônica" - flexotrônica, girotrônica e até torcitrônica foram tentativas de trazer o termo para o português.

Os comportamentos inusitados significam que pode ser possível construir circuitos lógicos usando um único, ou no máximo dois materiais diferentes, além de criar rodovias de calor dentro dos chips.

Agora, uma equipe brasileira acaba de demonstrar que é possível obter um outro estado apenas girando o grafeno: Além dos estados isolante e supercondutor, é possível também obter uma fase metálica.

"No estado isolante, tecnicamente chamado de 'estado isolante de Mott', a interação elétron-elétron é repulsiva e dominante. A repulsão dificulta o transporte eletrônico pelo sistema e isso caracteriza a condição de isolamento elétrico. Já no estado supercondutor, ocorre um comportamento contraintuitivo, que é a atração entre os elétrons. Isso gera um novo portador de carga, o chamado 'par de Cooper', composto por dois elétrons que fluem juntos pelo material sem dissipação de energia, o que define a supercondutividade.

"No estado metálico, considerado em nosso trabalho, o TBG [bicamada torcida de grafeno] não apresenta um hiato entre a banda eletrônica de valência [aquela preenchida por elétrons] e a banda eletrônica de condução [aquela que apresenta espaços vazios]. Porém, como o material tem um número periódico de átomos, seus espectros discretos de energia se superpõem e dão origem a espectros contínuos, com energias infinitamente próximas umas das outras," detalhou o professor Antônio Seridônio, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Ilha Solteira.

Super-rede moiré e cones de Dirac

Para caracterizar esse estado metálico, a equipe considerou a adsorção de impurezas na super-rede de moiré gerada pelo movimento relativo das duas folhas. O termo "moiré", de origem francesa, vem da tecelagem e designa um tipo de tecido de padrão ondulado. Em física, o termo é usado para nomear os padrões de interferência que se formam quando duas redes são sobrepostas e rotacionam uma em relação a outra. A expressão "super-rede" é utilizada porque esse padrão de interferência se apresenta em uma escala de tamanho muito maior do que a da rede de grafeno.

"O que encontramos foi um novo tipo de ligação molecular covalente. A ligação covalente usual é aquela em que átomos da molécula compartilham elétrons devido à superposição de seus orbitais atômicos. Porém, na 'torção mágica' da bicamada de grafeno, esse cenário se modifica drasticamente quando um campo elétrico é aplicado ao sistema. O campo quebra a simetria de inversão dos 'cones de Dirac' e possibilita a emergência de um estado molecular atomicamente frustrado. Neste, os átomos mostram-se localmente como se estivessem isolados uns dos outros, mas, por causa de correlações quânticas não locais mediadas pela super-rede de moiré, eles ainda apresentam um caráter molecular," acrescentou Seridônio.

Aqui, é preciso abrir um parêntese para explicar o significado dos "cones de Dirac". Assim nomeados em referência ao físico britânico Paul Dirac (1902-1984), que deu contribuições fundamentais para o desenvolvimento da mecânica e da eletrodinâmica quânticas, essas superfícies cônicas, semelhantes a ampulhetas, descrevem as configurações eletrônicas de certos materiais, como o grafeno e outros, em níveis específicos de energia. As metades superior e inferior da ampulheta representam cones que correspondem às bandas de condução e de valência, respectivamente. Estas só se encontram nos pontos centrais, chamados de "pontos de Dirac".

Torcer o grafeno gera nova ligação molecular - e uma nova eletrônica
Esquematização de toda a teoria desenvolvida pela equipe brasileira.
[Imagem: W. N. Mizobata et al. - 10.1088/2053-1583/ac277f]

Computação quântica topológica

"Para entendermos melhor o papel dos cones de Dirac e do campo elétrico no aparecimento da ligação molecular que encontramos em nosso estudo é interessante fazer uso de uma analogia. Imaginemos os cones de Dirac como as duas metades de uma ampulheta com seus vértices unidos em um único ponto. Esse ponto é o marco zero de energia, onde só cabe um grão de areia, mas que se encontra vazio no início, devido à ausência de um campo elétrico externo. Chamamos esse ponto vazio, sem grão, de 'pseudogap' ou ponto de Dirac.

"O cone superior, de ponta-cabeça, faz o papel da banda de condução e está equilibrado pelo vértice do cone inferior, que emula a banda de valência. Esse último cone, por sua vez, encontra-se plenamente preenchido por areia até uma altura logo abaixo do 'pseudogap' e representa o número ideal de elétrons do sistema. Como temos duas folhas de grafeno formando o TBG, há duas ampulhetas nessa condição. No 'ângulo mágico', é como se as ampulhetas ficassem perfeitamente achatadas, pois a inclinação dos cones torna-se zero. O campo elétrico fecha o 'pseudogap', preenchendo-o com areia, e o achatamento dos cones comprime todos os níveis de energia moleculares nesse ponto, onde só cabe um grão, que corresponde ao nível de energia zero [com o achatamento total dos cones, sua representação gráfica fica reduzida a uma linha horizontal; a figura C mostra uma situação de transição, em que os cones aparecem achatados, mas não completamente]," explicou o pesquisador.

O pesquisador acrescenta que, estando os cones achatados, a configuração eletrônica não sai do nível zero de energia. Todo o espectro molecular é reduzido a um único estado quântico de energia zero. E torna-se robusto nesse sentido. A molécula "tenta" dissociar-se em átomos independentes, mas "não consegue", pois os níveis de energia encontram-se altamente "espremidos" pelo colapso dos cones de Dirac. Assim, a molécula se torna "atomicamente frustrada".

"Esse tipo de configuração é chamado de 'modo zero de energia'. E, se o aumento progressivo da magnitude do campo elétrico não for capaz de remover esse modo, que fica cravado no zero indefinidamente, ele se torna imune a perturbações externas e é considerado 'robusto'. A robusteza é um dos principais requisitos para a realização de uma computação quântica topológica," ressaltou Seridônio.

Bibliografia:

Artigo: Atomic frustration-based twistronics
Autores: William Nobuhiro Mizobata, José Eduardo Cardoso Sanches, Mathaus Penha, Willian Carvalho da Silva, Carlos Alberto Batista Carvalho, Marcos Sérgio Figueira da Silva, Valdeci Pereira Mariano de Souza, Antonio C. Seridonio
Revista: 2D Materials
Vol.: 8, Number 4
DOI: 10.1088/2053-1583/ac277f
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