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O Universo tem um Norte e um Sul?

Redação do Site Inovação Tecnológica - 15/05/2020

O Universo tem um Norte e um Sul?
Diferentes conjuntos de dados - aqui uma observação em raios X - mostram que o Universo parece ter uma direção preferencial, uma espécie de Norte e Sul.
[Imagem: Konstantinos Migkas et al. - 10.1051/0004-6361/201936602]

Leis da física variáveis

O mundo da física, da astrofísica e da cosmologia foi sacudido há alguns anos quando a equipe do professor John Webb, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, apresentou observações de centenas de galáxias que mostravam que as leis da física parecem variar ao longo do Universo.

O assunto continua na agenda, com os teóricos procurando modelos que possam "encaixar" os dados nos modelos cosmológicos mais aceitos, e os astrônomos de campo fazendo mais observações e trabalhando para melhorar os equipamentos que possam reforçar ou corrigir os dados observados até agora.

A equipe do professor Webb também não descansou e, enquanto esperam por telescópios melhores e métodos de análise de dados mais refinados, eles decidiram testar suas observações usando um alvo completamente diferente: Em vez de galáxias, eles fizeram várias medições da luz emitida por um quasar - uma estrela giratória cujos feixes de luz lembram um farol marítimo - localizado a quase 13 bilhões de anos-luz de distância.

"Os quasares mais distantes que conhecemos estão entre 12 e 13 bilhões de anos-luz de nós," explica o professor Webb. "Então, se você puder estudar a luz de quasares distantes em detalhes, está estudando as propriedades do Universo quando ele era pequeno, com apenas um bilhão de anos. O Universo era muito, muito diferente. Nenhuma galáxia existia, as primeiras estrelas já haviam se formado, mas certamente não havia a mesma população de estrelas que vemos hoje. E não havia planetas."

A equipe fez quatro medições da constante fina ao longo da linha de visão desse quasar. Individualmente, as quatro medições não forneceram nenhuma anomalia.

No entanto, quando elas foram combinadas e confrontadas com muitas outras medições, feitas por outros astrônomos e não relacionadas às observações da equipe, tornaram-se evidentes as mesmas diferenças na constante de estrutura fina que os estudos anteriores haviam mostrado.

O Universo tem um Norte e um Sul?
Medições do campo gravitacional da Terra indicaram que também a força da gravidade pode não ser constante.
[Imagem: ESA/AOES Medialab]

Constante da estrutura fina

A constante da estrutura fina é uma medida do eletromagnetismo - uma das quatro forças fundamentais da natureza (as outras são gravidade, força nuclear fraca e força nuclear forte).

"A constante da estrutura fina é uma quantidade que os físicos usam como uma medida da intensidade da força eletromagnética. É um número sem dimensão e envolve a velocidade da luz, algo chamado constante de Planck e a carga dos elétrons, sendo uma proporção dessas coisas. É este número que os físicos usam para medir a intensidade da força eletromagnética," explicou o professor Webb.

A força eletromagnética mantém os elétrons zunindo em torno de um núcleo em todos os átomos do Universo - sem ela, toda a matéria se esfacelaria. Até recentemente, acreditava-se que ela seria uma força imutável ao longo do tempo e do espaço. Mas, nas últimas duas décadas, dados observacionais começaram a mostrar anomalias na constante da estrutura fina, mais especificamente, a força eletromagnética medida em uma direção específica do Universo parece um pouco diferente dos resultados obtidos quando ela é medida numa direção ligeiramente diferente.

"Nós descobrimos uma pista de que esse número da constante da estrutura fina era diferente em certas regiões do Universo. Não apenas em função do tempo, mas de fato na direção [espacial] do Universo, o que é realmente bastante estranho se estiver correto... mas foi o que descobrimos," disse Webb

O Universo tem um Norte e um Sul?
Apenas para relembrar, a teoria mais aceita atualmente propõe que o universo é plano, o que faz alguns chamaram a atual geração de astrofísicos - um tanto maldosamente - de "universoplanistas".
[Imagem: NASA/WMAP]

Evidências adicionais da direcionalidade do Universo

E, como acontece frequentemente na ciência, calhou de um trabalho de uma outra equipe, em um campo não relacionado, e publicado quase ao mesmo tempo, vir se somar ao argumento de que o Universo tem uma direcionalidade.

Konstantinos Migkas e seus colegas da Universidade de Bonn, na Alemanha, estavam estudando emissões de raios X de aglomerados de galáxias quando verificaram em seus dados o mesmo indício de que o Universo tem algum tipo de direcionalidade, ou, como eles dizem, que o Universo não é isotrópico.

"Eu não sabia nada sobre esse artigo até que ele apareceu na literatura," comentou Webb. "E eles não estão testando as leis da física, eles estão testando as propriedades, as propriedades dos raios X das galáxias e dos aglomerados de galáxias e as distâncias cosmológicas da Terra. Eles também descobriram que as propriedades do Universo nesse aspecto não são isotrópicas e que há uma direção preferencial. E eis que a direção deles coincide com a nossa."

Um Universo estranho

As implicações dessas observações sobre nossa compreensão do Universo são enormes.

O que se pensava ser um mar aleatório de galáxias, quasares, buracos negros, estrelas, nuvens de gás e planetas - com a vida florescendo em pelo menos um pequeno nicho dele -, o Universo de repente parece ter o equivalente a um norte e um sul.

O Universo tem um Norte e um Sul?
Nesta linha de incertezas cosmológicas, há também desconfianças sobre se a constante de Hubble seria mesmo constante.
[Imagem: Andrew Pontzen/Fabio Governato]

"O Universo pode não ser isotrópico em suas leis da física - leis que seriam as mesmas, estatisticamente, em todas as direções. Mas, de fato, pode haver alguma direção ou direção preferencial no Universo onde as leis da física mudam, mas não na direção perpendicular. Em outras palavras, o Universo, em certo sentido, possui uma estrutura dipolar.

"Em uma direção específica, podemos olhar para trás 12 bilhões de anos-luz e medir o eletromagnetismo quando o Universo era muito jovem. Juntando todos os dados, o eletromagnetismo parece aumentar gradualmente quanto mais longe olhamos, enquanto na direção oposta ele diminui gradualmente. Em outras direções no cosmos, a constante de estrutura fina permanece exatamente isso - uma constante. Essas novas medições muito distantes empurraram nossas observações muito além do que jamais foi alcançado antes.

"Isso é algo que é levado muito a sério e é encarado, muito corretamente com ceticismo, mesmo por mim, mesmo que eu tenha feito o primeiro trabalho com meus alunos. Mas é algo que você precisa testar porque é possível que vivamos em um universo estranho," comentou Webb.

A equipe do professor Webb acredita que estes são apenas os primeiros passos de um estudo que deverá avançar muito, com observações de muitas direções do Universo, usando dados provenientes de novos instrumentos nos maiores telescópios do mundo.

Além disso, novas tecnologias estão surgindo para fornecer dados de maior qualidade e novos métodos de análise de inteligência artificial ajudarão a automatizar as medições e executá-las mais rapidamente e com maior precisão, o que ajudará a esclarecer se as leis da Física realmente variam ao longo do Universo e mesmo se existe um "fluxo escuro" pelo qual o Universo estaria "vazando" para uma outra dimensão.

Bibliografia:

Artigo: Four direct measurements of the fine-structure constant 13 billion years ago
Autores: Michael R. Wilczynska, John K. Webbb, Matthew Bainbridge, John D. Barrow, Sarah E. I. Bosman, Robert F. Carswell, Mariusz P. Dabrowski, Vincent Dumont, Chung-Chi Lee, Ana Catarina Leite, Katarzyna Leszczyska, Jochen Liske, Konrad Marosek, Carlos J. A. P. Martins, Dinko Milakovic, Paolo Molaro, Luca Pasquini
Revista: Science Advances
Vol.: 6, no. 17, eaay9672
DOI: 10.1126/sciadv.aay9672

Artigo: Probing cosmic isotropy with a new X-ray galaxy cluster sample through the LX-T scaling relation
Autores: Konstantinos Migkas, G. Schellenberger, T. H. Reiprich, F. Pacaud, M. E. Ramos-Ceja, L. Lovisari
Revista: Astronomy & Astrophysics
Vol.: 636, A15 pg 42
DOI: 10.1051/0004-6361/201936602
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