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Eletrônica

Brasileiros tornam mais realista caminho para computação quântica topológica

Com informações da Agência Fapesp - 01/09/2022


Fases topológicas

Pesquisadores brasileiros estão propondo uma rota mais prática rumo a um tipo computador quântico ainda mais futurístico do que os computadores quânticos atualmente em desenvolvimento.

A computação quântica topológica tira proveito de fenômenos que ocorrem na superfície dos materiais - o estudo da topologia rendeu o Nobel de Física de 2016.

Antes considerados fenômenos exóticos, hoje se sabe que os fenômenos topológicos estão por todos os lados, embora experimentalmente eles continuem sendo observados em áreas de fronteira, envolvendo os férmions de Majorana, os monopolos magnéticos, os semimetais de Weyl e os isolantes de Mott.

Vitor Dantas e Eric Andrade, do Instituto de Física de São Carlos, deram um passo nessa área emergente tornando mais realista os estudos envolvendo um material conhecido como líquido de spin.

O spin é o momento magnético intrínseco de uma partícula, de um elétron, por exemplo. É como se a partícula possuísse um ímã em seu interior que lhe permitisse interagir não só com os spins de outras partículas, mas também com campos magnéticos externos, mesmo em repouso.

Por analogia com os líquidos usuais, sistemas nos quais os spins não apresentam ordem magnética, mesmo em temperaturas próximas do zero absoluto, são chamados de líquidos de spins. Seguindo o mesmo tipo de nomenclatura, um sistema que apresentasse ordem magnética seria um sólido de spins, uma vez que o ordenamento magnético de seus spins é análogo ao ordenamento periódico dos átomos em um cristal.

São essas transições de fase topológica que são tão interessantes não apenas para o entendimento de aspectos fundamentais da matéria, mas também para um novo tipo de computação quântica.

Brasileiros tornam mais realista caminho para a computação quântica topológica
Rede favo de mel com duas impurezas (vacâncias), localizadas no centro das áreas hachuradas em azul.
[Imagem: Eric Andrade/USP]

Líquidos de spin

O modelo que descreve os líquidos de spin foi formulado pelo físico russo Alexei Yurievich Kitaev, nascido em 1963 e atualmente professor no Instituto de Tecnologia da Califórnia.

"O modelo Kitaev é uma proposta de líquido de spin em duas dimensões. É muito interessante, mas um tanto artificial. É de se esperar que desvios em relação ao modelo original apareçam em materiais reais. E foi isso que investigamos no trabalho," explicou Eric.

Especificamente, a dupla estudou como o modelo de Kitaev se comporta em uma rede tipo favo de mel, na presença de defeitos e perturbações, incluindo um campo magnético e interações extras. "Desde 2009, há propostas teóricas robustas de que esse modelo pode ser realizado em isolantes de Mott, que apresentam um forte acoplamento spin-órbita," afirma Eric.

Isolantes de Mott são materiais complexos que se apresentam como isolantes elétricos, mas ainda possuem dinâmica de spin, ou seja, comportam-se como materiais magnéticos. Há grande interesse neles porque permitem acessar separadamente a carga e o spin dos elétrons. Já o acoplamento spin-órbita refere-se a manifestação da relatividade restrita que acopla o spin do elétron com seu movimento no espaço tridimensional.

A dupla brasileira selecionou como alvo de seus estudos um óxido de irídio, o H3LiIr2O6. Esse isolante de Mott não apresenta ordem magnética até 50 milikelvin, o que faz dele um candidato promissor a líquido de spin de Kitaev.

"Conseguimos explicar as contradições que havia entre as previsões do modelo de Kitaev pristino e os resultados experimentais obtidos com o H3LiIr2O6. Mostramos que a presença de uma pequena quantidade de vacâncias já é suficiente para explicar os dados experimentais. As vacâncias correspondem à substituição do íon magnético Ir por um não magnético. Como o hidrogênio é um elemento muito leve, é esperado que apareçam esses defeitos no sistema durante o processo de cristalização," explicou Eric.

Brasileiros tornam mais realista caminho para a computação quântica topológica
Este componente topológico usa partículas de Majorana como qubits.
[Imagem: Sophie Charpentier et al. - 10.1038/s41467-017-02069-z]

Férmions de Majorana

E o pesquisador continua: "Além de fornecer um cenário consistente dos experimentos em termos de um líquido de spin de Kitaev desordenado, nosso trabalho propiciou também uma importante previsão: esse material deve apresentar uma fase topológica na presença de um campo magnético externo. No caso, essa fase topológica é caracterizada pela presença, na borda do sistema, de férmions de Majorana que carregam uma corrente de energia quantizada. Esse resultado é impressionante se lembrarmos que estamos falando de um isolante de Mott para o qual as cargas dos elétrons estão congeladas, não podendo, portanto, transportar corrente elétrica."

A existência de férmions de Majorana é algo que tem sido intensamente explorado. Em um trabalho datado de 1937, o físico italiano Ettore Majorana, considerado um dos maiores gênios da história da ciência e que desapareceu aos 31 anos de idade sem deixar vestígios, apresentou a hipótese de uma partícula que teria a si mesma como antipartícula. E sugeriu que o neutrino poderia ser essa partícula.

As pesquisas atuais enfocam não apenas o neutrino, mas também quasipartículas, ou partículas aparentes, constituídas por excitações em sistemas de matéria condensada. Além do interesse que suscitam em física fundamental, essas partículas exóticas, chamadas genericamente de férmions de Majorana, definem uma importante fronteira no campo da informação e computação quânticas, pois poderiam ser utilizadas, por exemplo, para a correção de erros. O trabalho da dupla brasileira acrescenta mais uma contribuição para o seu entendimento.

Bibliografia:

Artigo: Disorder, Low-Energy Excitations, and Topology in the Kitaev Spin Liquid
Autores: Vitor Dantas, Eric C. Andrade
Revista: Physical Review Letters
Vol.: 129, Iss. 3
DOI: 10.1103/PhysRevLett.129.037204
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