Redação do Site Inovação Tecnológica - 06/12/2022
Materiais que imitam a vida
Está havendo uma verdadeira revolução em uma área de pesquisa pouco conhecida, envolvendo o que os pesquisadores chamam de materiais não vivos, que vão dos materiais que imitam como o cérebro armazena memórias até redes neurais mecânicas, que aprendem e reagem ativamente ao ambiente.
Embora sejam inspirados no modo como os seres vivos funcionam, esses materiais não têm nada de biológico - e, muitas vezes, nem mesmo de orgânico -, mas ainda assim se comportam como se fossem capazes de aprender e repetir comportamentos, algumas vezes de forma surpreendente.
Veja, a seguir, três pesquisas mostrando mais novidades na área, cada uma usando uma abordagem diferente.
Habituação e sensibilização
Sandip Mondal e colegas da Universidade Purdue, nos EUA, acreditam que é possível criar uma nova geração de supercomputadores usando materiais que apresentam comportamentos similares ao aprendizado.
Mondal aplicou pulsos elétricos muito curtos em um óxido de níquel deficiente em oxigênio e observou duas respostas elétricas diferentes, só vistas em seres vivos.
A primeira resposta, uma espécie de habituação, ocorre quando o material "se acostuma" a ser levemente eletrocutado: Embora a resistência elétrica do material aumente após um choque inicial, ele logo se acostuma com o estímulo elétrico, e passa a não mais reagir a ele. A outra resposta, uma sensibilização, ocorre quando uma dose maior de eletricidade é administrada: Quando o choque é intenso, a resposta do material cresce em vez de diminuir com o tempo.
"Praticamente todos os organismos vivos demonstram essas duas características. Elas realmente são um aspecto fundamental da inteligência," disse o professor Shriram Ramanathan, cuja equipe tem desenvolvido diversos tipos de componentes neuromórficos, que imitam o comportamento do cérebro.
E, como o comportamento do material é controlado eletricamente, ele se torna uma nova alternativa para a construção de circuitos inspirados no cérebro.
"Ser capaz de manipular materiais dessa maneira permitirá que o hardware assuma parte da responsabilidade pela inteligência," propõe Ramanathan. "Usar propriedades quânticas [o comportamento do material não pode ser explicado pela física clássica] para obter inteligência em hardware representa um passo fundamental para a computação com eficiência energética."
Material não vivo com homeostase
Hang Zhang e colegas da Universidade de Aalto, na Finlândia, por sua vez, desenvolveram um sistema sintético que responde a variações nas condições ambientais do mesmo modo que os seres vivos.
O sistema usa um circuito de retroalimentação para manter suas condições internas, assim como nosso corpo usa o suor para manter nossa temperatura, um processo conhecido como homeostase e que, na natureza, é exclusivo dos seres vivos - embora o feedback seja importante em alguns sistemas artificiais, como os termostatos, eles não têm a adaptabilidade dinâmica ou a robustez dos sistemas vivos homeostáticos.
O novo sistema consiste em dois géis, com propriedades diferentes, postos lado a lado. As interações entre os dois géis fazem com que o sistema responda homeostaticamente às mudanças ambientais, mantendo sua temperatura dentro de uma faixa estreita quando estimulado por um laser.
O laser é disparado através do primeiro gel e, em seguida, reflete em um espelho para o segundo gel, onde aquece as nanopartículas de ouro suspensas nele. O calor se move do segundo gel para o primeiro, elevando sua temperatura. O primeiro gel só é transparente quando está abaixo de uma temperatura específica; quando fica mais quente, torna-se opaco. Essa mudança impede que o laser atinja o espelho e aqueça o segundo gel. Os dois géis então esfriam até que o primeiro fique transparente novamente, momento em que o laser novamente consegue atravessar e o processo de aquecimento começa novamente.
Em outras palavras, esse arranjo de laser, géis e espelho cria um ciclo de retroalimentação que mantém os géis em uma temperatura específica.
"Os tecidos dos organismos vivos são tipicamente macios, elásticos e deformáveis," disse Zhang. "Os géis usados em nosso sistema são semelhantes. Eles são polímeros macios inchados na água e podem fornecer uma variedade fascinante de respostas a estímulos ambientais."
"Materiais inspirados na vida oferecem um novo paradigma para materiais dinâmicos e adaptativos que provavelmente atrairão pesquisadores nos próximos anos," acrescentou o professor Olli Ikkala. "Sistemas cuidadosamente projetados, que imitem alguns dos comportamentos básicos dos sistemas vivos, abrirão o caminho para materiais verdadeiramente inteligentes e robótica macia interativa."
Material com memória
Os materiais com memória de forma, que transicionam entre diferentes fases sólidas, já são bem conhecidos e vêm sendo explorados para diversos usos, inclusive como memórias em sistemas computacionais.
Nathan Keim e Dani Medina, da Universidade do Estado da Pensilvânia, nos EUA, agora descobriram como usar e apagar memórias em materiais macios e desordenados, incluindo emulsões, materiais com consistências como as do sorvete, maionese, cremes de beleza etc.
A dupla criou uma pasta derramando óleo sobre água em um prato e, em seguida, espalhando uma camada bem compactada de 25.000 partículas microscópicas de plástico no limite entre os líquidos. As partículas são carregadas eletrostaticamente e, portanto, se repelem, o que lhes permite formar um sólido macio semelhante à maionese. Esse sólido macio pode ser deformado de forma controlada, e o movimento das partículas é rastreado usando um microscópio.
"Nós deformamos nosso material por cisalhamento, que envolve mover um lado do material em relação ao outro, como puxar o canto de um retângulo para o lado para que ele se torne um paralelogramo," explicou Keim. Esse tipo de deformação é conhecido como recozimento mecânico, e realizá-lo reduz a energia geral da estrutura. Repetir esse recozimento na mesma magnitude muitas vezes cria no material uma memória da deformação, que afeta sutilmente como o material responde à deformação de outras magnitudes no futuro.
E também dá para apagar a memória, bastando aplicar distorções de magnitudes cada vez menores, o que lembra um pouco o método de apagamento nas memórias ferromagnéticas, onde um forte campo magnético é aplicado e sua direção alternada, tornando gradualmente o campo mais fraco.
Segundo a equipe, isso pode ser útil para dar capacidades neuromórficas aos materiais e estruturas, permitindo monitorar intensidades de forças, lembrar de tensões a que a estrutura foi submetida ou realizar análises de falhas.