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Achei a matéria escura, diz 1 cientista. Os outros discordam

Redação do Site Inovação Tecnológica - 27/11/2025

Não, (ainda) não detectamos diretamente a matéria escura
A barra cinza horizontal na região central corresponde à área do plano galáctico, que foi excluída da análise. O mapa mostra a intensidade dos raios gama, excluindo componentes que não fazem parte do halo, abrangendo aproximadamente 100 graus.
[Imagem: Tomonori Totani/The University of Tokyo]

Partículas de matéria escura

Contrastando frontalmente com o padrão das pesquisas cosmológicas, tipicamente feitas por colaborações internacionais envolvendo dezenas e até centenas de cientistas, um único cientista anunciou ter encontrado "evidências diretas da matéria escura, permitindo que a matéria invisível seja 'vista' pela primeira vez".

A alegação, corajosa, mas extremamente controversa, foi feita pelo professor Tomonori Totani, da Universidade de Tóquio, no Japão.

"Se isso estiver correto, até onde eu sei seria a primeira vez que a humanidade 'viu' matéria escura. E ocorre que a matéria escura é [constituída por] uma nova partícula não incluída no modelo padrão atual da física de partículas. Isso representa um grande avanço na astronomia e na física," disse Totani.

Sim, seria uma descoberta que valeria o Prêmio Nobel, para dizer o mínimo, uma descoberta que faria os milhares de outros cientistas, que pesquisam a matéria escura há quase um século, com uma cara de "Ué" sem tamanho. Afinal, como foi que as colaborações científicas internacionais, que já investiram anos e bilhões de dólares em pesquisas, não a encontraram antes?

Ocorre que o trabalho do professor Totani, mesmo sendo de qualidade suficiente para que ele fosse publicado em uma revista científica renomada, contém um nível de incerteza grande demais para ser considerado uma descoberta, e nem mesmo cobre a parte do cosmo onde a maioria da comunidade científica considera que seria mais plausível encontrar a matéria escura.

Além disso, os indícios que Totani alega ter encontrado sobre a "nova partícula não incluída no modelo padrão", mais conhecida como WIMP, sigla em inglês para "partículas massivas fracamente interativas" (Weakly Interacting Massive Particles), exigiriam que que essas partículas se comportassem de uma maneira totalmente diferente do que dizem as teorias que propõem sua existência.

Não, (ainda) não detectamos diretamente a matéria escura
Com os seguidos resultados negativos, a tendência hoje é defender que a matéria escura não existe - uma pesquisa recente contestou a teoria da matéria escura na formação das galáxias.
[Imagem: Chil Vera/Pixabay]

Onde procurar pela matéria escura?

No início da década de 1930, o astrônomo suíço Fritz Zwicky observou galáxias no espaço movendo-se mais rápido do que sua massa permitiria, o que o levou a inferir a presença de uma espécie de estrutura invisível, batizada de matéria escura, que seria necessária para fornecer a força gravitacional para explicar porque as galáxias não se esfacelam, dada a sua taxa de rotação.

Acontece que todas as tentativas de encontrar a matéria escura feitas até hoje falharam. Mas, como diz a piada, um experimento de física nunca falha, ele só lhe diz que você deve procurar em outro lugar. O problema é que os cientistas começaram a procurar pelos locais mais prováveis, então passaram para os menos prováveis, mas repetidos resultados negativos os empurraram até os mais improváveis de todos. E nada. Mesmo o melhor experimento projetado para procurar pelas partículas de matéria escura, as WIMPs, anunciou uma conclusão negativa no ano passado.

Voltando aos lugares mais prováveis, inúmeras equipes e observatórios se voltaram para observações nas regiões onde a matéria escura deve estar mais concentrada e mais fácil de ser detectada, como no centro da Via Láctea. A teoria é que, apesar de seu próprio nome indicar uma interação fraca, prevê-se que, quando duas WIMPs colidem, as duas partículas se aniquilarão mutuamente, liberando outras partículas e, aqui está a melhor aposta observacional, fótons de raios gama.

Como ninguém encontrou os raios gama na energia indicada onde eles mais deveriam existir, o professor Totani fez algo inusitado: Ele decidiu deixar o núcleo galáctico de lado e procurar em todos os lugares, menos lá.

Não, (ainda) não detectamos diretamente a matéria escura
O melhor experimento para procurar pelas partículas WIMPs de matéria escura não encontrou nada.
[Imagem: Matthew Kapust/Sanford Underground Research Facility]

A alegada "descoberta"

Utilizando dados do telescópio espacial Fermi, que detecta raios gama, mas nunca detectou a matéria escura, Totani acredita ter detectado os raios gama específicos previstos pela aniquilação das teóricas partículas WIMP de matéria escura.

"Nós detectamos raios gama com uma energia de fóton de 20 gigaeletronvolts (ou 20 bilhões de elétronvolts, uma quantidade extremamente grande de energia) estendendo-se em uma estrutura semelhante a um halo em direção ao centro da Via Láctea. O componente de emissão de raios gama corresponde de perto à forma esperada do halo de matéria escura," anunciou ele.

Na verdade, não corresponde assim tão de perto, como Totani alega.

"Infelizmente, apesar de ser um trabalho sério e de grande relevância, suas conclusões estão atualmente sujeitas a considerável incerteza, o que impossibilita afirmar que 'esta é a primeira vez que a matéria escura foi observada'. Essas incertezas resultam do nosso conhecimento ainda muito limitado sobre a produção exata de raios gama por meio de fenômenos astrofísicos convencionais em diferentes regiões da nossa galáxia," comentou o professor Miguel Ángel Conde, da Universidade de Madri, na Espanha, que participa e chefia desde 2023 a colaboração NASA/FERMI/LAT, que trabalha em primeira mão com os dados do telescópio Fermi.

Não, (ainda) não detectamos diretamente a matéria escura
Uma das principais teorias alternativas à matéria escura consiste nos modelos MOND, uma sigla em inglês para Dinâmica Newtoniana Modificada.
[Imagem: WMAP Science Team/NASA]

As muitas improbabilidades

O professor Totani afirma que as medições de raios gama que ele fez não são facilmente explicáveis por outros fenômenos astronômicos ou emissões de raios gama mais comuns, que ele chama de "processos convencionais".

"O estudo alega que esses processos 'convencionais' são insuficientes para explicar o excesso de radiação gama observado e que, portanto, esse excesso se deve à aniquilação de WIMPs. No entanto, existem degenerações muito significativas entre os diferentes componentes que sabemos que contribuem para a emissão galáctica difusa nessa faixa de energia. Isso já levou, no passado, a afirmações semelhantes em diversas ocasiões, de que havíamos detectado matéria escura, quando, em todos esses casos, um estudo mais detalhado ou completo concluiu que se tratava de uma modelagem incorreta da astrofísica 'convencional'," comentou o professor Conde.

Uma provável exceção poderia estar nos raios gama oriundos do centro da galáxia, cujas origens são desconhecidas, uma vez que eles parecem ocorrer em uma intensidade maior do que seria de se esperar com base nos processos astrofísicos convencionais. Foi isto que fez a comunidade científica se voltar para o centro da galáxia em busca da matéria escura. Mas mesmo aí há grandes incertezas, começando pelo tal "excesso" de raios gama no centro galáctico, que pode não existir, além do que ele pode se dever a outros processos ainda desconhecidos, e não à matéria escura. Mas o professor Totani optou por descartar o centro galáctico de sua busca pelos raios gama.

"Outras questões igualmente relevantes lançam dúvidas adicionais sobre a interpretação do excesso observado em termos de matéria escura. Para explicar esse excesso com WIMPs, como proposto no artigo, eles teriam que se aniquilar a uma taxa aproximadamente dez vezes maior do que a esperada (isto é, se quiséssemos explicar toda a matéria escura na forma de WIMPs). Essa alta taxa de aniquilação também entra em sério conflito com as estimativas mais robustas que temos atualmente para WIMPs, derivadas de observações de galáxias anãs (os melhores objetos para esse tipo de busca).

"O excesso interpretado como aniquilação de WIMPs também exigiria que a distribuição de matéria escura na galáxia fosse particularmente atípica e inesperada, pois implicaria uma mudança repentina nas áreas mais próximas ao centro galáctico, de modo a não entrar em conflito com nossas observações de raios gama nessa região," concluiu o professor Conde.

Assim, quando o assunto é a detecção da matéria escura, continuamos no escuro. E grandes alegações sem grandes provas não ajudam em nada.

Bibliografia:

Artigo: 20 GeV halo-like excess of the Galactic diffuse emission and implications for dark matter annihilation
Autores: Tomonori Totani
Revista: Journal of Cosmology and Astroparticle Physics
DOI: 10.1088/1475-7516/2025/11/080
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