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Materiais Avançados

Cristais entrópicos: Materiais construídos pelo poder da desordem

Redação do Site Inovação Tecnológica - 30/08/2022

Cristais entrópicos: Poder da desordem e caos contra a entropia
Uma mistura química diferente é criada em cada uma das gotículas dentro do reator de fluxo tubular - todas exatamente sob as mesmas condições.
[Imagem: Empa]

Da entropia à organização pelo caos

Quem já teve o azar de ver seu celular caindo, provavelmente teve tempo suficiente para até contrair o próprio corpo, tentando apelar para alguma "força Jedi" que pudesse evitar que ele chegasse ao chão, já imaginando aquelas trincas se espalhando pela tela.

Mas não adianta. Seja a tela trincada do celular, uma xícara de café que se espatifa no chão ou a mistura de gases e poeira de uma chaminé, uma vez que um objeto se desfaz, não há como reverter o processo.

E a natureza tanto parece se esforçar pelo caos que os físicos até cunharam um termo para isso: Entropia, uma medida da desordem.

Mas sempre há o outro lado: As substâncias sólidas se formam quando os átomos se ordenam cuidadosamente, ocupando o menor volume possível, formando os chamados cristais. Até a difusa poeira cósmica se junta para formar estrelas e planetas.

A ciência está longe de conseguir explicar onde a tão disseminada entropia parece se reverter, dando origem à ordem. Mas os primeiros passos estão sendo dados.

Cristais entrópicos: Poder da desordem e caos contra a entropia
Linha do tempo da criação de diferentes ligas de alta entropia.
[Imagem: Amy J. Knorpp et al. - 10.2533/chimia.2022.212]

O poder da desordem

A guinada da desordem inexorável para a ordem começou há menos de 20 anos, quando surgiram as chamadas ligas metálicas de alta entropia, hoje já englobadas em uma categoria mais ampla, os "materiais de alta entropia".

As ligas metálicas de alta entropia são misturas de cinco ou mais metais compatíveis (que podem se misturados). Se a mistura for bem-sucedida e todos os elementos estiverem distribuídos homogeneamente, emergem propriedades especiais que não vêm dos metais individuais, mas de sua mistura - os cientistas chamam isso de "efeito coquetel".

Nos últimos anos, ficou claro que até os cristais de cerâmica podem ser estabilizados pelo "poder da desordem". Com isto, até mesmo elementos superdimensionados e minúsculos se encaixam no cristal, o que normalmente o destruiria.

Pesquisadores do laboratório suíço EMPA já conseguiram inserir até nove átomos diferentes em um cristal cerâmico. A vantagem é que eles permanecem estáveis mesmo em altas temperaturas - porque "reorganizá-los" levaria a uma maior ordem, e a natureza e sua entropia tipicamente não gostam disso.

Em outras palavras, o esforço natural para a desordem máxima estabiliza a estrutura cristalina incomum e, portanto, todo o material - uma autêntica ordem guiada pelo caos.

"Com até quatro componentes no cristal, tudo continua normal; com cinco componentes ou mais, o mundo muda," explica o pesquisador Michael Stuer. "Esta classe de materiais abre uma ampla gama de novas oportunidades para nós. Podemos estabilizar cristais que de outra forma se desintegrariam devido a tensões internas. E podemos criar superfícies de cristal altamente ativas que nunca existiram antes, e procurar efeitos de coquetel interessantes."

Cristais entrópicos

Stuer e sua colega Amy Knorpp estão agora literalmente entrando no "reino do desconhecido", já tendo produzido diversas versões de suas cerâmicas, que passarão a ser analisadas por especialistas em análise de superfície e interna, por meio de luz síncrotron.

Para avançar mais rápido, eles construíram um dispositivo de síntese especial no qual muitas misturas químicas diferentes podem ser testadas uma após a outra, como em uma linha de produção. Nesse "Reator Tubular de Fluxo Segmentado", pequenas bolhas percorrem um tubo no qual ocorre a respectiva reação. No final, as bolhas são esvaziadas e o pó que elas contêm - minúsculos cristais entrópicos produzidos pelo poder da desordem - pode ser processado e estudado.

Os pesquisadores já têm em mente uma área de aplicação dos seus cristais entrópicos: Combinar CO2 e hidrogênio em usinas de biogás e estações de tratamento de esgoto para formar metano, transformando o gás de efeito estufa em um combustível sustentável e fácil de armazenar.

"Sabemos que as moléculas de CO2 adsorvem particularmente bem em certas superfícies e que a reação desejada ocorre com mais facilidade e rapidez," explicou Amy Knorpp. "Nós agora estamos tentando produzir cristais entrópicos em cujas superfícies existam regiões altamente ativas."

Até agora, os catalisadores usados em experimentos desse tipo têm apresentado uma consistente tendência ao enfraquecimento ao longo do tempo, conforme o enxofre do biogás contamina sua superfície, ou pela simples decomposição química do catalisador devido à alta temperatura.

Mas os cristais entrópicos não quebram mesmo em altas temperaturas - afinal, eles são estabilizados pelo caos. "Estamos esperando que nossos cristais durem mais no processo e possivelmente sejam mais resistentes à poluição por enxofre," diz Stuer.

Bibliografia:

Artigo: From Synthesis to Microstructure: Engineering the High-entropy Ceramic Materials of the Future
Autores: Amy J. Knorpp, Jon G. Bell, Shangxiong Huangfu, Michael Stuer
Revista: Chimia
Vol.: 76, 212
DOI: 10.2533/chimia.2022.212
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