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Não, nós não sabemos como são os buracos negros

Com informações do SISSA - 09/05/2025

Não, nós não sabemos como são os buracos negros
Buracos negros comuns possuem um poço gravitacional infinito (esquerda), enquanto buracos negros regulares e imitadores de buracos negros possuem poços gravitacionais finitos (centro e direita), sendo a diferença entre os dois a profundidade do poço. A característica comum de possuir poços gravitacionais profundos (bem abaixo dos anéis de luz) permite que esses objetos tenham uma fenomenologia semelhante.
[Imagem: Raúl Carballo-Rubio et al. - 10.48550/arxiv.2501.05505]

Um ponto onde nada funciona

Desde que a teoria da relatividade geral apontou para a existência de buracos negros, a comunidade científica tem-se preocupado com uma característica peculiar: A singularidade no seu centro, um ponto, escondido atrás do horizonte de eventos, onde as leis da física que governam o resto do Universo parecem se romper completamente.

Para se livrar desse inconveniente, há algum tempo os pesquisadores vêm trabalhando em modelos alternativos livres de singularidades.

Uma nova proposta acaba de ser apresentada em um artigo escrito como resultado de um encontro de especialistas em buracos negros realizado no Instituto de Física Fundamental do Universo (IFPU), na Itália. O trabalho descreve dois modelos alternativos, propõe testes observacionais e explora como essa linha de pesquisa também pode contribuir para o desenvolvimento de uma teoria da gravidade quântica.

"Aqui estão os leões", observa o professor Stefano Liberati. A frase se refere à singularidade hipotética prevista no centro dos buracos negros padrão, aqueles descritos por soluções para as equações de campo de Einstein. Para entender o que isso significa, uma breve recapitulação histórica é útil.

Não, nós não sabemos como são os buracos negros
Ilustração das três classes de espaços-tempos esfericamente simétricos.
[Imagem: Raúl Carballo-Rubio et al. - 10.48550/arxiv.2501.05505]

A história dos buracos negros

Em 1915, Einstein publicou seu trabalho seminal sobre a relatividade geral. Apenas um ano depois, o físico alemão Karl Schwarzschild encontrou uma solução exata para essas equações, o que implicava a existência de objetos extremos, hoje conhecidos como buracos negros. Trata-se de objetos com massa tão concentrada que nada - nem mesmo a luz - consegue escapar de sua atração gravitacional, daí o termo "negro".

Desde o início, porém, aspectos problemáticos surgiram e desencadearam um debate que durou décadas. Nos anos 1960, ficou claro que a curvatura do espaço-tempo se torna verdadeiramente infinita no centro de um buraco negro: Uma singularidade onde as leis da física deixam de se aplicar.

Se essa singularidade for real, e não apenas um artefato matemático, ela implica que a relatividade geral falha em condições extremas. Para grande parte da comunidade científica, invocar o termo "singularidade" tornou-se uma espécie de bandeira branca: Sinaliza que simplesmente não sabemos o que acontece naquela região.

Apesar de o debate continuar no que diz respeito às singularidades, as evidências científicas da existência de buracos negros têm crescido continuamente desde a década de 1970, culminando em marcos importantes como os Prêmios Nobel de Física de 2017 (Detecção das ondas gravitacionais) e 2020 (Teoria e observações de buracos negros).

Outros momentos-chave incluem a primeira detecção de ondas gravitacionais em 2015 - revelando a fusão de dois buracos negros - e as imagens extraordinárias capturadas pelo Telescópio Horizonte de Eventos (EHT) em 2019 (Primeira imagem de um buraco negro) e 2022 (Imagem do buraco negro no centro da Via Láctea). No entanto, nenhuma dessas observações forneceu até agora respostas definitivas sobre a natureza das singularidades.

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Mesmo quando há imagens, há controvérsias: Imagens de buracos negros podem ser imagens de outra coisa.
[Imagem: EHT Collaboration]

Território incognoscível

E isso nos leva de volta aos "leões" aos quais Liberati se refere: Podemos descrever a física dos buracos negros apenas até uma certa distância do centro. Além disso, reside o mistério - uma situação inaceitável para a ciência.

É por isso que os pesquisadores há muito buscam um novo paradigma, no qual a singularidade seja "curada" pelos efeitos quânticos que a gravidade deve apresentar sob condições tão extremas. Isso naturalmente leva a modelos de buracos negros sem singularidades, como os explorados no trabalho de Liberati e seus colaboradores.

Um dos aspectos interessantes do novo artigo é sua origem colaborativa. Não se trata do trabalho de um único grupo de pesquisa e nem de um artigo de revisão tradicional. "É algo mais," explica Liberati. "Ele emergiu de um conjunto de discussões entre os principais especialistas da área - teóricos e fenomenólogos, pesquisadores juniores e seniores - todos reunidos durante uma reunião de trabalho na IFPU. O artigo é uma síntese das ideias apresentadas e debatidas nas sessões, que correspondem aproximadamente à estrutura do próprio artigo."

De acordo com Liberati, o valor agregado reside na própria conversa: "Em vários tópicos, os participantes inicialmente tinham visões divergentes - e alguns encerraram as sessões com opiniões, pelo menos parcialmente, alteradas."

Duas alternativas não singulares

Durante aquela reunião, três modelos principais de buracos negros foram delineados: O buraco negro padrão previsto pela relatividade geral clássica, com uma singularidade e um horizonte de eventos; o buraco negro regular, que elimina a singularidade, mas mantém o horizonte; e o buraco negro imitador, que reproduz as características externas de um buraco negro, mas não possui singularidade nem horizonte de eventos.

O artigo também descreve como buracos negros regulares e imitadores de buracos negros podem se formar, como eles podem se transformar um no outro e, mais importante, que tipo de teste observacional poderá um dia distingui-los dos buracos negros padrão.

Embora as observações coletadas até agora tenham sido marcantes, elas não nos dizem tudo. Desde 2015, detectamos ondas gravitacionais de fusões de buracos negros e obtivemos imagens das sombras de dois buracos negros: M87* e Sagitário A*. Mas essas observações se concentram apenas na parte externa - elas não fornecem nenhuma informação sobre se há uma singularidade no centro.

"Mas nem tudo está perdido," disse Liberati. "Buracos negros regulares, e especialmente os mimetizadores, nunca são exatamente idênticos aos buracos negros comuns - nem mesmo fora do horizonte. Portanto, observações que sondem essas regiões poderiam, indiretamente, nos dizer algo sobre sua estrutura interna."

Para fazer isso, precisaremos medir desvios sutis das previsões da teoria de Einstein, usando instrumentos cada vez mais sofisticados e diferentes canais de observação. Por exemplo, no caso dos mimetizadores, imagens de alta resolução do Telescópio Horizonte de Eventos poderiam revelar detalhes inesperados na luz curvada ao redor desses objetos - como anéis de fótons mais complexos.

Além disso, ondas gravitacionais podem apresentar anomalias sutis, compatíveis com geometrias espaço-temporais não clássicas. E a radiação térmica da superfície de um objeto sem horizonte - como um mimetizador - poderia oferecer outra pista promissora.

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E, claro, há as teorias mais radicais, como a proposta de que o Universo inteiro pode estar dentro de um buraco negro.
[Imagem: Gerado por IA/Imagen3]

Um futuro promissor

O conhecimento atual ainda não é suficiente para determinar exatamente que tipo de perturbações devemos procurar, ou quão fortes elas podem ser. No entanto, avanços significativos na compreensão teórica e em simulações numéricas são esperados para os próximos anos. Isso lançará as bases para novas ferramentas observacionais, projetadas especificamente com modelos alternativos em mente.

Assim como aconteceu com as ondas gravitacionais, a teoria guiará a observação - e então a observação refinará a teoria, talvez até mesmo descartando certas hipóteses.

Essa linha de pesquisa é grandemente promissora: Ela pode ajudar a levar ao desenvolvimento de uma teoria quântica da gravidade, uma ponte entre a relatividade geral - que descreve o Universo em grandes escalas - e a mecânica quântica, que governa o mundo subatômico.

"O que nos aguarda à frente para a pesquisa gravitacional é uma época verdadeiramente empolgante. Estamos entrando em uma era em que uma paisagem vasta e inexplorada se abre diante de nós," concluiu Liberati.

Bibliografia:

Artigo: Towards a Non-singular Paradigm of Black Hole Physics
Autores: Raúl Carballo-Rubio, Francesco Di Filippo, Stefano Liberati, Matt Visser, Julio Arrechea, Carlos Barceló, Alfio Bonanno, Johanna Borissova, Valentin Boyanov, Vitor Cardoso, Francesco Del Porro, Astrid Eichhorn, Daniel Jampolski, Prado Martín-Moruno, Jacopo Mazza, Tyler McMaken, Antonio Panassiti, Paolo Pani, Alessia Platania, Luciano Rezzolla, Vania Vellucci
Revista: Journal of Cosmology and Astroparticle Physics
DOI: 10.1088/1475-7516/2025/05/003
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