Redação do Site Inovação Tecnológica - 31/10/2025

Terras de condução
Quando se tenta visualizar uma paisagem do mundo da condução de eletricidade, o quadro clássico mostra uma região onde ela não flui muito bem, conhecida como "terra dos semicondutores", de cuja borda se estende uma larga muralha, a muralha dos condutores, onde a eletricidade flui muito bem, mas ainda encontra resistência. E, do outro lado, descortina-se uma região ainda pouco conhecida, a "terra dos supercondutores", onde a eletricidade flui sem qualquer resistência.
Assim, parece um sonho distante juntar essas duas terras de características tão diferentes. Mas unir semicondutores e supercondutores traria vantagens enormes: Transformar materiais semicondutores, como o silício ou o germânio, em supercondutores, permitiria aumentar a eficiência de quase toda a nossa tecnologia, dos computadores e demais eletrônicos até as células solares e as lâmpadas.
Pois uma equipe internacional de cientistas acaba de conseguir esse sonho aparentemente impossível: Eles descobriram como transformar o semicondutor germânio em um supercondutor. E eles conseguiram fazer isto usando uma técnica padrão da indústria, o que significa que a inovação não está fadada a permanecer como uma curiosidade de laboratório.
"Estabelecer a supercondutividade no germânio, que já é amplamente utilizado em chips de computador e fibras ópticas, pode revolucionar diversos produtos de consumo e tecnologias industriais," disse o professor Javad Shabani, da Universidade de Nova York, nos EUA.
"Esses materiais podem servir de base para futuros circuitos quânticos, sensores e eletrônicos criogênicos de baixo consumo, todos os quais precisam de interfaces limpas entre regiões supercondutoras e semicondutoras. O germânio já é um material essencial para tecnologias semicondutoras avançadas, então, ao demonstrar que ele também pode se tornar supercondutor sob condições de crescimento controladas, surge o potencial para dispositivos quânticos escaláveis e prontos para fabricação em larga escala," acrescentou Peter Jacobson, da Universidade de Queensland, na Austrália.
Como transformar um semicondutor em um supercondutor
O germânio e o silício, ambos elementos do grupo IV da Tabela Periódica, têm estruturas cristalinas semelhantes ao diamante, ocupando uma posição singular entre os metais e os isolantes. Sua versatilidade e durabilidade os tornam essenciais para a microeletrônica moderna.
Para induzir a supercondutividade nesses elementos, a teoria diz que é preciso alterar cuidadosamente sua estrutura atômica, de modo a aumentar o número de elétrons disponíveis para a condução. Esses elétrons, então, se emparelhariam e se moveriam pelo material sem resistência. Mas é um processo notoriamente difícil de controlar em escala atômica.
A equipe superou esse desafio desenvolvendo filmes de germânio fortemente impregnados com gálio, um elemento mais macio, mas também comumente usado em eletrônica. Essa é a conhecida técnica chamada "dopagem", utilizada desde o advento da eletrônica de estado sólido para modificar o comportamento elétrico de um semicondutor.
Normalmente, altos níveis de gálio desestabilizam o cristal, impedindo a supercondutividade. A equipe venceu mais essa dificuldade usando métodos avançados de raios X para guiar um processo refinado, que dá aos átomos de gálio energia suficiente para que eles substituam átomos de germânio na rede cristalina. Mais importante, a técnica faz com que os átomos de gálio ocupem posições de modo controlado, para manter a estrutura cristalina do germânio.
Embora essa substituição distorça ligeiramente o cristal, ela preserva sua estabilidade geral e permite que o germânio passe a conduzir corrente com resistência zero a 3,5 Kelvin (cerca de -270 graus Celsius), confirmando que o semicondutor se tornou supercondutor.
Ótimo para computadores quânticos
Este é um feito grandioso, tanto em termos de ciência básica quanto pelo fato de ter sido obtido com técnicas padrão da indústria, o que significa que a inovação terá impacto real sobre as tecnologias atuais.
Contudo, como todos os supercondutores conhecidos, o germânio supercondutor mantém a necessidade de temperaturas extremamente baixas para se tornar um supercondutor. Isso inviabiliza seu uso nos eletrônicos de consumo, mas é perfeito para a computação quântica, que tipicamente exige ambientes criogênicos - a maioria dos qubits atuais são supercondutores e o próprio germânio já foi usado para fabricar qubits.
De qualquer modo, a técnica permite sobrepor camadas de germânio dopado com gálio sobre camadas de silício comum, sempre mantendo uma estrutura cristalina uniforme. Isso abre caminho para a fabricação de chips que combinem o melhor das terras semicondutoras e supercondutoras, talhados para aplicações em vários nichos.
"Esses materiais podem servir de base para futuros circuitos quânticos, sensores e eletrônicos criogênicos de baixo consumo de energia, que precisam de interfaces limpas entre as regiões supercondutoras e semicondutoras," finalizou Jacobson.