Redação do Site Inovação Tecnológica - 27/10/2025

Discrepância matéria/antimatéria
Assim como hoje acreditamos na matéria escura e na energia escura, até pouco mais de 100 anos, os cientistas acreditavam que a natureza era permeada por uma substância chamada éter luminífero, o meio invisível necessário para explicar coisas como a propagação da luz no vácuo.
Nesse contexto, em 1867, William Thomson, mais conhecido como Lord Kelvin, imaginou que os átomos seriam nós no éter.
Mas, menos de meio século depois, vieram o famoso experimento Michelson-Morley e a teoria da relatividade, e o éter simplesmente deixou de ser necessário, passando para a história da ciência.
Agora, um trio de físicos da Universidade de Hiroshima, no Japão, acaba de propor uma ideia revolucionária: Os nós imaginados por Kelvin podem - suspendam a respiração, ruflem os tambores - explicar por que o Universo existe.
O trio demonstrou que podem de fato surgir nós em uma estrutura realista da física de partículas, que também lida com outros enigmas complexos, como as massas dos neutrinos, a matéria escura e o problema da simetria carga-paridade (CP) forte, o enigma de por que os experimentos não detectam o pequeno momento de dipolo elétrico que a teoria prevê para o nêutron.
"Este estudo aborda um dos mistérios mais fundamentais da física: Por que nosso Universo é feito de matéria e não de antimatéria," contextualiza o professor Muneto Nitta. "Essa questão é importante porque toca diretamente no motivo pelo qual as estrelas, as galáxias e nós mesmos existimos."

A antimatéria perdida no Universo
O Big Bang deveria ter produzido quantidades iguais de matéria e antimatéria, com cada partícula destruindo sua gêmea até restar apenas radiação. No entanto, o Universo é predominantemente composto de matéria, com quase nenhuma antimatéria à vista. Os cálculos mostram que tudo o que vemos hoje, dos átomos às galáxias, existe porque apenas uma partícula extra de matéria sobreviveu para cada bilhão de pares de matéria e antimatéria.
O Modelo Padrão da física de partículas, apesar de seu enorme sucesso, não consegue explicar essa discrepância - suas previsões ficam aquém em cerca de 10 ordens de magnitude (10-10). Explicar a origem desse pequeno excesso de matéria, conhecido como bariogênese, é um dos maiores enigmas não resolvidos da ciência.
O que os três físicos descobriram é que o excesso de matéria pode ter sido gerado por nós, e esses nós podem ter-se formado naturalmente no Universo primitivo seguindo modelos largamente aceitos pelos físicos - nomeadamente, a equipe combinou uma "simetria calibrada de número bariônico menos número lépton" (B-L) com a simetria Peccei-Quinn (PQ).

Tubos e vórtices
À medida que o Universo esfriava após o Big Bang, suas simetrias se fragmentavam por meio de uma série de transições de fase e, assim como o gelo congela de forma desigual, podem ter deixado para trás defeitos semelhantes a fios, chamados cordas cósmicas, rachaduras hipotéticas no espaço-tempo que muitos cosmólogos acreditam ainda existir - você certamente se lembra da teoria das cordas.
Embora mais fina que um próton, um centímetro de corda poderia pesar mais do que montanhas inteiras. À medida que o cosmos se expandia, uma teia sinuosa desses filamentos teria se esticado e se emaranhado, carregando marcas das condições primordiais que prevaleciam até então no Universo nascente.
O que a nova teoria demonstrou é que a quebra da simetria B-L produziu cordas de tubos de fluxo magnético, enquanto a simetria PQ deu origem a vórtices superfluidos sem fluxo, e esses vórtices usam os tubos como suportes de fixação. Esse acoplamento, por sua vez, permite que o vórtice superfluido bombeie carga para o tubo de fluxo B-L, neutralizando a tensão que normalmente faria o nó se romper.
O resultado é uma configuração metaestável e topologicamente travada, que os físicos chamam de sóliton de nó.

A era dos nós
Mas a equipe continuou seus cálculos, e os resultados descrevem as etapas seguintes da formação do Universo.
Enquanto a radiação perdia energia conforme o Universo crescia - à medida que suas ondas se estendiam com o espaço-tempo - os nós se comportavam como matéria, desaparecendo muito mais lentamente. Com isto, eles ultrapassaram todo o resto, inaugurando uma era dominada pelos nós, em que sua densidade energética - e não a da radiação - dominava o cosmos.
Mas essa era dos nós não durou. Os nós eventualmente se desfizeram por meio do tunelamento quântico, o processo pelo qual partículas deslizam através de barreiras de energia como se elas nem existissem. O colapso dos nós gerou neutrinos pesados destros, uma consequência inerente da simetria B-L tecida em sua estrutura.
Essas partículas então decaíram em formas mais leves e estáveis, com uma leve inclinação para a matéria em detrimento da antimatéria, dando-nos o Universo que conhecemos hoje.

Somos netos dos nós
"Basicamente, esse colapso produz muitas partículas, incluindo os neutrinos destros, os bósons escalares e o bóson de calibre, como uma chuva," explicou Yu Hamada, membro da equipe. "Entre elas, os neutrinos destros são especiais porque seu decaimento pode gerar naturalmente o desequilíbrio entre matéria e antimatéria. Esses neutrinos pesados decaem em partículas mais leves, como elétrons e fótons, criando uma cascata secundária que reaquece o Universo."
"Nesse sentido, [essas partículas] são os pais de toda a matéria no Universo hoje, incluindo nossos próprios corpos, enquanto os nós podem ser considerados nossos avós," acrescentou Hamada.
Embora Lorde Kelvin tenha originalmente pensado nos nós como os blocos de construção fundamentais da matéria, os três físicos argumentam que suas descobertas "fornecem, pela primeira vez, um modelo realista de física de partículas no qual os nós podem desempenhar um papel crucial na origem da matéria".